Comportamento
03.09.2015
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20.03.14
Baile Perfumado
por Thaís Reis Oliveira

A Sociedade Internacional Água Verde sobrevive ao fechamento dos clubes recreativos na capital promovendo festas que reúnem jovens de 20 a 80 anos

Vera Lúcia e Leônidas
Almir Scremin e Nilson Lançoni
Luiz Albini
Sara e Alessandra
Reinaldo
Hormelina e João Francisco
Salão

O aposentado Reinaldo Freitas Taborda teve um dia cheio. Em pleno domingo, acordou às seis da manhã, deixou o café pronto, foi à missa e, na volta, preparou o almoço. Deveres domésticos cumpridos é hora de deixar sua casa no Capão da Imbuia e seguir alguns quilômetros de viagem até desembarcar na estação-tubo Silva Jardim. É dia de baile na Sociedade Água Verde.

Seu Reinaldo é mais um dos cerca de mil frequentadores que a Sociedade Recreativa Internacional do Água Verde recebe em dias de festa. Sob um calor improvável para um verão curitibano, senhores e senhoras impecavelmente trajados vêm em busca de diversão nos portentosos salões do clube que tem “o melhor baile da região”. Os bailes acontecem de quinta a domingo, começando entre três ou quatro da tarde.

“Venho pra dançar e conhecer gente, o importante aqui é socializar”, garante a enfermeira Vera Lúcia Jablonski, que frequenta as tardes do Água Verde desde 2010. Ela diz gostar dos bailes de sexta e sábado, porque “não tem tanta bebedeira”, mas aparece sempre que pode. Um amigo interfere para comprovar a tese de Vera e oferece um bloco de notas para que ela anote quantos namorados tem. “Mas tenho certeza que não vai caber aqui”, ri o militar reformado Leônidas, 85 anos. A amizade dos dois já rendeu boas histórias, como a vez em que a enfermeira socorreu o amigo em meio a uma crise de hipoglicemia. “Ele estava desmaiando no meio do baile”, relembra Lúcia. Ao som de A Volta do Boêmio, o maior sucesso de Nélson Gonçalves, o casal sai deslizando pelo salão de baile.

Fundada em 1905, a Sociedade Água Verde é um dos clubes recreativos mais antigos de Curitiba. A história da Sociedade começou no bosque da família Moletta, onde imigrantes italianos, alemães, poloneses, portugueses e espanhóis se reuniam nos fins de semana para as atividades mais gregárias da espécie humana: comer, beber e dançar. O clube chegou a ter cerca de 5 mil sócios nos tempos áureos. Hoje, tem apenas 197. Mesmo com a baixa nos títulos, a sede oferece piscina, academia, sauna, salão de festas e pista de bocha. “Não temos interesse em receber mais sócios, nosso carro-chefe são os bailes”, conclui o presidente do clube, Almir Scremin.

O primeiro grande baile aconteceu em 1953, em ocasião do Centenário do Paraná, e contou com a presença do então presidente Getúlio Vargas. O estatuto daquela época proibia entrar no baile “senhoras sem acompanhamento de seus cavalheiros”. Mais tarde, em 1978, começaram os bailes mais parecidos com os que acontecem hoje, então chamados de saraus. O empresário Luiz Albini, 55, administra os bailes há 25 anos – os eventos funcionam em um esquema de arrendamento: a casa fica com o lucro dos ingressos e mesas, mais uma porcentagem do faturamento.

Albini já teve experiências gerindo bailes de outros clubes da capital, como o Bola de Ouro, no Uberaba. Mas garante que sua relação com a Sociedade Água Verde é especial: “Isso aqui é uma família, a relação com outros clubes é estritamente profissional”. O empresário também lamenta o fechamento gradual dos clubes recreativos da capital (atualmente, o Sindiclubes tem 22 entidades associadas, a maioria pertencente a órgãos públicos ou empresas privadas), “chutando por baixo, 70% dos clubes nos moldes da Sociedade hoje estão inativos”, diz.

Dentro do prédio fincado entre a Avenida Iguaçu e a Sete de Setembro, os bailantes se dividem em dois salões bem ventilados. No principal, a música é eclética: samba de gafieira, vanerão, tango, bolero, pagode, forró e o que mais der na telha do DJ, enquanto o salão secundário é tomado por ritmos gauchescos. O valor da entrada varia entre R$ 10 e R$ 20. Frequentadores da “melhor idade” têm desconto – pagam módicos R$ 7,50 – e há ainda a opção de imprimir no site do clube um bônus que garante o ingresso a preço promocional. Quem quiser mais comodidade pode reservar uma mesa por R$ 5.

Além do som mecânico, há também show de bandas da região. A música ao vivo ajuda a explicar um fenômeno recorrente nos bailes da Sociedade: “Depois das sete da noite, essa pista fica cheia de jovens”, garante Nilson Lançoni, responsável pela organização dos eventos. O público que frequenta os salões do clube varia conforme o dia da semana, entre quinta-feira e sábado, a casa recebe mais casais da terceira idade. No domingo, solteiros e frequentadores mais jovens também ocupam a pista.

É o caso da enfermeira Sara, 61, que voltou a frequentar as pistas do clube depois do divórcio. Ela trouxe a filha Alessandra, de 25 anos, para conhecer o baile. As duas vêm do Orleans com objetivos específicos, a mãe revela que gosta da diversão: “Vim pelas amizades e pela paquera. Minha filha também, ela está querendo um namorado”.

Às 17h, o salão está cheio, momento perfeito para João oferecer seus préstimos como instrutor para as damas que jazem nas mesas ao redor da pista – já iniciou mais de cinquenta mulheres nas artes da dança de salão. “É só seguir os bumbos da música, tum, tum, tum”, explica ele. O jovem senhor capricha no perfume e na bala de hortelã para refrescar o hálito. Para manter o status de galã, não revela o sobrenome nem a idade, sequer se deixa fotografar. João é empresário da indústria têxtil e desde a juventude gosta de dançar. A calmaria dos tempos de aposentado faz com que seja fácil encontrá-lo perambulando pelos salões do Água Verde em dias de baile. “Esse lugar é quase a minha segunda casa”, brinca. João prefere vir sozinho ao baile porque “pra homem pé-de-valsa nunca falta par”.

Reinaldo faz coro à teoria do colega e deixa a esposa em casa. O aposentado está no quarto casamento e, ironicamente, sua atual mulher é a única que não gosta de dançar. Antes de juntar de vez as escovas de dente o casal fez um trato: o marido pode continuar frequentando os salões de baile, mas a esposa nunca mais põe a mão na cozinha. E seguem felizes há doze anos.

Hormelina e João Francisco se conheceram no baile do Água Verde e estão juntos há cinco meses, “somos tico-tico no fubá, ou ficantes como diz a garotada”. Ambos eram frequentadores assíduos das matinês dançantes na cidade, mas criaram raízes na Sociedade porque “o ambiente é muito acolhedor, e nunca presenciamos nenhuma confusão”.

O baile também é cenário de encontros mais furtivos. Um casal chama a atenção no salão, o cavalheiro usa a barriga volumosa para conduzir sua parceira, uma moça magra perfeitamente vestida à moda dos anos 80, num ritmo que nada tem a ver com o bolero que está embalando os outros casais na pista. Entre um passo e outro, a dupla troca beijos debaixo das luzes coloridas. Par tão excêntrico não poderia passar despercebido. “Eu adoraria falar com você, o problema é que nós dois somos casados. Mas o baile aqui é ótimo, a gente vem, dança, se diverte e depois cada um volta pra sua casa”, explica ela.

Conforme o movimento aumenta, a pista fica rodeada por homens corpulentos vestidos de preto. “Mas eles não estão ali pra reprimir, só intervêm em casos de briga”, explica Scremin. A segurança parece ser uma preocupação constante da administração da casa. Logo na entrada, todos os pagantes passam por uma porta detectora de metais, é proibido filmar e fotografar sem autorização. O dress code do baile é restritivo: calça e camisa social para eles e saias, vestidos e sapatos para as damas. Recentemente, a diretoria do clube liberou o uso de tênis e sapatênis, medida reprovada pelas frequentadoras do baile, “elas dizem que não gastam tanto com salão e roupas para chegar aqui e encontrar homens desleixados”, conta Albini.

São quase oito da noite e a pista está lotada por conta da apresentação da Memories Banda Show. O grupo abre a noite com o tema romântico do filme A Bela e a Fera, seguido de Esse cara sou eu, mais recente sucesso de Roberto Carlos. Aos poucos, um público mais jovem vai se misturando às cabeças prateadas que tomam o salão. Mas a farra vesperal acabou para Seu Reinaldo. É hora de voltar pra casa, Dona Leonilda está esperando com o jantar.


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