Comportamento
03.09.2015
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08.08.12
Linha do rush
por Renan Machado

Inter 2, um dos “pivôs” do transporte público curitibano, é sinônimo de estresse a motoristas e passageiros nos horários de pico

Há quatro meses que o Inter 2 é o carma da vida de Bruna Kurth
Donizete Moreira, há cinco anos na linha, já é considerado veterano em matéria de Inter 2
Panorama do Inter 2 durante o horário de pico da manhã. Oitenta mil passageiros desafiam, diariamente, a lei da Física: dois corpos ocupam, sim, o mesmo lugar no espaço
Para Eva Cavalaro, neuropsicóloga, motoristas de ônibus constituem grupo de risco

Sete horas. A rampa desce sobre a plataforma. Abrem-se as portas e a jornada começa. Objetivo: encontrar um lugar a ser ocupado por um único corpo. Eis o desafio enfrentado diariamente pelos passageiros do ligeirinho Inter 2. Haja paciência, preparo físico e engov, para a dor de estômago depois de tanto estresse. Nervos à flor da pele que, não raro, geram discussões pelo menor esbarrão de ombros.

Atualmente, Curitiba conta com uma frota integrada por 355 linhas. São mais de 1.900 ônibus que atendem passageiros entre a capital e Região Metropolitana. Nessa realidade, o Inter 2 funciona como um carro- chefe do transporte coletivo. A linha circula toda Curitiba e interliga, nas duas horas necessárias para completar o itinerário de 38 quilômetros, a maioria dos bairros da cidade, entre estações pelas quais passa e conexões que proporciona. Se fora do horário de pico, das 9 às 17 horas, o Inter 2 circula com número médio de passageiros. Sem lotação. Do contrário, ou seja, na hora do rush, ocorre superlotação.

Um olhar de dentro

O Inter 2, em Curitiba, é o pesadelo de todo usuário de ônibus. Enfrentar o movimento intenso, que começa bem cedo pela manhã, não é tarefa fácil. Bruna Kurth faz parte do grupo de 80 mil pessoas que diariamente dependem da linha para locomoção.

A estudante universitária, que há quatro meses estagia em uma empresa localizada no bairro Campina do Siqueira, embarca no Inter 2 às 7 horas, de segunda à sexta-feira, no Terminal Capão Raso. Segundo ela, nesse horário já ocorre lotação. “É horrível. Filas enormes para o embarque, empurra-empurra, ninguém respeita ninguém”, diz. De acordo com Bruna, a única forma de entrar no ônibus é se espremer na multidão e não intimidar-se com os empurrões. “Sinceramente, se quiser esperar um momento tranquilo, você fica para trás.”

Mas o embarque é apenas o começo. Uma vez dentro do formigueiro humano, a situação piora. Desde freadas bruscas até engraçadinhos de mãos leves, os obstáculos vão além do aperto em si. “Para as mulheres é ainda mais complicado”, afirma Bruna. “O desafio é manter o equilíbrio e, ao mesmo tempo, cuidar de sua bolsa e da falta de respeito de muitos homens. A solução é distribuir pisadas nos pés”, completa.

Ao fim do horário de estágio, às 16h30, Bruna costuma ganhar carona de um colega da empresa até o Terminal do Portão, onde utiliza a linha Santa Cândida/Capão Raso para voltar para casa. Segundo ela, a diferença é clara. “Não digo que o ônibus está vazio, mas pelo menos não está lotado, há folga”. Do contrário, ou seja, quando não tem carona, é obrigada a recorrer ao Inter 2. “Nesse horário o movimento é, mais uma vez, intenso. Desde que passei a utilizá-lo, costumo dizer que o Inter 2 é o carma da minha vida”, brinca.

Detrás do volante 

Se para o passageiro é difícil, a situação do motorista não é diferente. Sobre seus ombros reside a responsabilidadede fazer com que todos cheguem seguros ao destino. Diariamente, essa carga de dever, aliada a congestionamentos crescentes e adversidades cotidianas, transforma a profissão em martírio. No caso do Inter 2, enorme itinerário e regiões críticas por onde trafega fazem da rotina um enfrentamento ainda mais árduo.  Muitos motoristas que assumem o posto não suportam o alto nível de estresse ao qual são submetidos. Às vezes, poucos meses depois, pedem remanejamento ou, em casos mais extremos, afastamento do emprego.

Exceção nesse contexto, Donizete Moreira é veterano em matéria de Inter 2. Há dezesseis anos funcionário da mesma empresa, completa em 2012 cinco anos como motorista da linha. A rotina de Moreira, seis horas no total, constitui-se de dois momentos: o da calmaria e da tempestade. Assume o ônibus às 13 horas e dirige até as 19h. “Raras exceções, o trânsito corre tranquilo até cinco, cinco e meia da tarde. Depois disso a situação fica complicada”, afirma. Segundo ele, o horário de pico é um acúmulo de estresse, por conta dos engarrafamentos e lotação do carro. “Na medida em que o fim da tarde se aproxima, você já começa a ficar tenso, prevendo o que lhe aguarda.”

A maior reclamação de Moreira é a impossibilidade de adotar caminhos alternativos a fim de desviar pontos de congestionamento. “A rota estabelecida deve ser seguida à risca. Caso contrário, o fiscal aplica uma multa”, diz. De acordo com ele, regiões críticas, de trânsito intenso na hora do rush, poderiam ser evitadas se houvesse maior flexibilidade no itinerário. “Às vezes, uma via paralela pode te salvar de perder dez, quinze minutos preso no engarrafamento e atrasar a rota.”

O motorista afirma que se acostumou à rotina estressante, principalmente, pela praticidade de locomoção casa-trabalho. Contudo, admite ser uma tarefa difícil. “Eu costumava ter cabelo antes de assumir o Inter 2”, brinca. “Impossível deixar o estresse do trabalho aqui. É inevitável chegar em casa tenso e morto de cansaço”, completa.

Sergio Roberto de Jesus expõe problemas semelhantes. Segundo o motorista, há dois anos na linha, o estreitamento de determinadas ruas da rota é um inimigo em potencial, principalmente em horários de maior movimento. Em certas vias, até mesmo árvores que integram a paisagem atrapalham o tráfego do ônibus. “Passar muito próximo ao meio fio é um risco, pois em alguns trechos árvores retorcidas invadem a rua e podem causar acidentes, ainda mais com o ônibus, que é um veículo de altura maior”, afirma.

Para Jesus, a implantação de faixas amarelas em áreas de giro críticas seria uma solução para diminuir o problema de estreitamento. “Um exemplo são as duas quadras da Rua Ulisses Vieira anteriores à Avenida Presidente Arthur Bernardes, onde fica bastante apertada a passagem por conta dos carros estacionados”, diz.

Melhorias 

De acordo com a assessoria de imprensa da Urbs (Urbanização de Curitiba), o Inter 2 é uma das prioridades quando se trata de melhorias. Em 2011, ampliações das 28 estações e terminais por onde a linha trafega foram executadas a fim de diminuir os transtornos do embarque. Atualmente, todos os pontos de parada do Inter 2 contam com três portas, com o objetivo de receber os ônibus articulados da linha.

Para os problemas de congestionamentos, são realizadas obras por toda cidade. Desde anéis viários a ruas de mão única que buscam reduzir o número de veículos em determinadas vias. Nos últimos anos, quatro binários feitos em regiões de itinerário do Inter 2 contribuíram para melhor fluidez do trânsito. Além disso, projetos de faixas exclusivas e compartilhamento de canaletas estão em vista.

Em abril deste ano, passou a funcionar o Centro de Controle Operacional da Urbs (CCO). Dentre as atividades que exerce, está o monitoramento em tempo real da frota de ônibus. Os ligeirinhos, como o Inter 2, são monitorados desde maio. Segundo a assessoria da Urbs, esse serviço possibilitará, a longo prazo, o levantamento de um histórico dos pontos críticos nos itinerários. Dessa forma, rotas alternativas poderão ser estabelecidas, algo inviável no momento, pois determinadas vias, ainda que menos movimentadas, não foram submetidas a estudos técnicos para viabilizar sua condição de receber o tráfego do transporte coletivo.

Tratamento médico 

Dados de 2007 revelam que 8% dos filiados ao Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc), encontravam-se em licença médica por conta de distúrbios psicológicos. Esse número representa um parâmetro que exemplifica casos graves de motoristas que, saturados pelo trabalho, são obrigados a recorrer ao tratamento médico. A linha Inter 2, devido à pesada rotina, é uma das campeãs no ranking de profissionais que necessitam de auxílio.

Segundo Eva Cavalaro, neuropsicóloga do Instituto Paz no Trânsito (Iptran), o estresse constante ao qual são submetidos faz dos motoristas mais suscetíveis a problemas psicológicos se comparados a outros profissionais. “Motoristas de ônibus constituem um grupo de risco”, afirma. De acordo com Eva, os distúrbios mais comuns são insônia, síndrome do pânico e depressão, além de outros tipos de complicações físicas, como hipertensão, obesidade e problemas de coluna.                  


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