Comportamento
03.09.2015
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19.08.13
Francisco contra a “Psicologia de Príncipes”
por Aroldo Murá G. Haygert

O papa na Jornada Mundial da Juventude


Hoje seria inconcebível alguém fazer esta recomendação: “Quando chegar diante do arcebispo, ajoelhe e beije a mão dele...”

Obediente, acatei essa ordem de nossa preceptora espiritual, Natália Franco de Souza, uma santa mulher que, dezenas de anos depois, voltei a contatar – ela sendo monja de clausura papal, no Mosteiro Porta Coeli, em Ponta Grossa. A ela devo grande parte de meu crescimento espiritual. Ela me ensinou a fazer meu primeiro jornal, uma folha mimeografada com o título de Nova Era, que circulava entre alguns fiéis da Catedral de Curitiba, particularmente entre o pessoal da Ação Católica (Ver, Julgar e Agir), de 1954 a 56.

O prelado de ares principescos diante do qual fazíamos genuflexão obrigatória, eu e meu pequeno grupo de colegiais ligados à JEC-Ação Católica, naquele 1954 , era o arcebispo metropolitano de Curitiba, dom Manuel da Silveira D’Elboux.

Ele morava e despachava no casarão histórico, Mateus Leme com Barão deAntonina, defronte ao Shopping Muller, que depois seria morada de freiras, restaurante suíço e sede de uma empresa de shoppings.

 UM FIDALGO 

O arcebispo encarnava o que os católicos de então esperavam de um bispo formado à luz dos ensinamentos, usos e costumes do Concílio de Trento: era um fidalgo, gestos carregados de ‘finesse’, a face meio para o angelical, o gestual calculado, a voz em reto tom, sem jamais propiciar aproximação com o visitante.

O próprio nome desse ‘príncipe da Igreja’ – o aposto então comumente usado para definir um bispo católico –, não podia ser mais “adequado”: Dom Manuel da Silveira D’Elboux.  Soava muito bem... sugerindo batalhas de cavaleiros, cruzadas e coroações de reis, como a de Clóvis.

Que o arcebispo D’Elboux  era um homem bom  e venerável nunca se colocou em dúvida. Até porque acabou fazendo seu sucessor alguém de impressionante caráter e inserção posterior na vida de Curitiba.

Esse sucessor, dom Pedro Micheletto Fedalto, do ponto de vista de “brilho social”, era o oposto seu. Mas foi uma gratíssima presença e surpresa na vida paranaense.

 EM BUSCA DOS POBRES 

Mas, afinal, o que os dois, dom Manuel e dom Pedro, têm a ver com o papa Francisco, objeto deste artigo?

Os dois nomes, na verdade, servem como ponto de partida para uma das observações que mais me marcaram na extensa lista de discursos e homilias do papa Francisco em seu périplo brasileiro para animar a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

Pois foi justamente na sua antepenúltima fala que o papa – dirigindo-se a bispos reunidos na residência do Sumaré, Rio, membros do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) – disse o que espera deles. E o recado não poderia ser mais contundente – “que não sejam príncipes”, mas servidores do povo de Deus. Bispos de uma Igreja pobre que vá aos pobres.

E cravou: “... que não tenham a psicologia de príncipes”, enumerando, em seguida, uma série de qualidades que devem identificar os que governam as chamadas igrejas particulares (dioceses e arquidioceses).

GAYS SÃO BEM-VINDOS 

Francisco não fugiu de temas, alguns dos quais abordados em longas e descontraídas entrevistas nas viagens Roma-Rio e vice-versa, quando atendeu às perguntas dos jornalistas (60, no total) que o acompanharam.

De fato, o papa foi revolucionário, como quando exigiu que os bispos se movimentem em busca das periferias da sociedade, buscando os pobres de todos os matizes.

Mas não se escondeu, enfrentou questões embaraçosas (ou supostamente) como a dos gays e a Igreja: disse que eles são bem-vindos, “quem sou eu para condená-los?”; por outro lado, admitiu que muitos casamentos feitos  na Igreja “nunca existiram”, garantindo que ampliará os canais para exame de processos de anulação do vínculo matrimonial; não jogou para a plateia, manteve –se fiel à chamada sã doutrina, aos dogmas católicos (são aquelas matérias em que a Santa Madre não transige e, por isso, chegou a perder a Igreja da Inglaterra, por exemplo, com Henrique VIII).

AMEAÇAS “INCANDESCENTES” 

E mais: foi claro ao garantir que às mulheres não será dado acesso ao sacerdócio. Disse isso em meio à exaltação do papel da mulher na Igreja, citando como exemplo Maria, a Mãe de Jesus, que tem lugar especial na teologia católica; não deixou brecha para aceitar o aborto, em qualquer circunstância; nem admitiu outro tipo de matrimônio senão entre homem e mulher.

Mas não se ouviu durante as muitas homilias do papa pregações “incandescentes”, aquelas que, por outros papas, em outras ocasiões, prometiam fogo eterno a pecadores tipo sodomitas, adúlteros, avaros, idólatras, simonistas...

Eu, de minha parte, atento observador do mundo católico, de sua mensagem permanente e daquela que ganha ênfases históricas, aplicadas por alguns de seus pastores, fiquei a matutar: se não fossem pelas indulgências prometidas pela Santa Sé – agora passíveis de ser concedidas até via web –, nem mais me daria conta das penas eternas que, com Francisco, parecem ter ficado uma ameaça distante. São substituídas pela liberdade cristã que o papa Francisco nos aponta.

Enfim, nem me ajoelhar é preciso agora. Só preciso, com Francisco, ser fiel ao Cristo no socorro aos irmãos e ao todo do Evangelho.

Ó tempos, ó costumes.

 

Aroldo Murá G.Haygert, presidente do Instituto Ciência e Fé, de Curitiba.


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