Comportamento
03.09.2015
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11.10.13
Mário Frota
por Aroldo Murá G. Haygert

O consumidor como compromisso de vida

Mário Frota, Ângela Maria Frota e Luiz Fernando de Queiroz

Mário Frota e Ângela Maria Frota vão entrando na sala, local combinado em Curitiba para a entrevista, num começo de tarde, e expõem, de saída, o ânimo gentil que os acompanha: “Belos quadros...”

A primeira impressão que tenho, especialmente dele, corresponde ao que espero do intelectual luso tantas vezes a mim pintado pelo advogado curitibano Luiz Fernando de Queiroz, editor da Editora Bonijuris, empresário e, especialmente, um raro protetor de iniciativas sólidas e sem objetivos de ganho financeiro no mundo da cultura.

A conclusão imediata é de que estou, com Frota, diante de um “cajo” raro, precioso.

COOPERAÇÃO LUSO-BRASILEIRA

Sobre Queiroz: é o editor/diretor da Revista Luso-Brasileira de Direito de Consumo, trimestral, editada em Curitiba, já com 11 edições, uma impressionante coletânea de doutrina e legislação da área que, no entanto, ainda não me parece ter-se imposto por sua importância no mundo jurídico do País. Está à espera também de ressonância nas associações de defesa do consumidor e no mundo da magistratura. Questão apenas de tempo... pois Queiroz é daqueles tipos, como Frota, que não constroem casas, mas catedrais, como se dizia outrora.

É 17 de setembro de 2013.

O chá e o café preparados ficam para bem mais tarde.

O casal chegava da casa dos desembargadores do TJ-PR Rosana Andriguetto Carvalho e Joatan Carvalho, apoiadores de sua causa, amigos, em que se hospedam.

Com o melhor sotaque luso, Mário Frota vai classificando de “extraordinária”, a carne de sol que a secretária de Rosana lhes servira, inibidora de outras apetências culinárias , “por bom tempo”, garante.

E ele, embora polido, não me parece homem de elogios fáceis. Nem esconde ser um bom garfo, disposição que, dias depois, em jantar na casa de Queiroz e Elin Queiroz, é frequentemente contida pela vigilância gastronômica que lhe impõe a esposa, Ângela Maria.

De saída Frota mostra todas as facilidades que tem de comunicação, marca desse homem, 72 anos, com visível vigor físico, que não tem feito outra coisa na vida senão elaborar e expor ideias. É um eloquente, com inegável substância, um mesmerizador de audiências, vou descobrindo de imediato.

NO CARTÃO, TODA IDENTIDADE

De saída, entrega-me seu cartão de visita. Nele, o grande destaque é para a posição que ocupa no mundo editorial – diretor da Revista Portuguesa de Direito de Consumo. O título diz apenas o mínimo da agilidade intelectual e capacidade de luta desse homem obcecado pelo estudo e prática do Direito de Consumo. Esse é um tema grudado à sua personalidade, e na qual a parte mais exigente e lúcida de Portugal identifica o dono de uma bandeira essencial – a luta pelos direitos do consumidor. Uma bandeira sem as cores demagógicas que as propostas similares, no Brasil, são passaporte, quase sempre, a carreiras políticas.

Lembram-se do ex-deputado Russomano, de São Paulo...?

O cartão tem outros indicativos do “mesmo jaez” – como diriam os portugueses num linguajar coloquial: fundador e primeiro presidente da AIDC, Associação Internacional de Direito de Consumo; presidente da APDC, sociedade científica, a Associação Portuguesa do Consumo, Coimbra; diretor do CEDC, Centro de Estudos do Direito do Consumo de Coimbra.

Títulos não faltam a Mário Frota, mas alguns – tão importantes quanto os contidos no cartão de visita – ele deixa que se exponham no amplo diálogo que teremos a seguir.

Para mim, dos mais valiosos, é o de professor universitário (passou também pelo ensino médio), fez carreira em grandes universidades portuguesas, lecionou em França, no Brasil, fez conferências na Alemanha.

E tão importante quanto isso, fez-se ouvido, com sua dialética única, em foros internacionais, como assembleias da CEE – em português, francês, espanhol e inglês – em defesa da sua bandeira de vida: o Direito de Consumo.

No currículo do professor de Direito em cidades como Coimbra e Porto (não precisa melhor apresentação) há uma enorme relação de obras em português, francês, inglês, alemão, em que firma doutrina sobre sua especialidade.

O DIREITO AO CONSUMO

Com a maior objetividade possível, responde-me à indagação sobre, “afinal, o que é o Direito de Consumo?”:

— Trata-se do conjunto de regras jurídicas para proteger o consumidor nas suas relações no mercado de consumo.

E foi com esse objetivo que Frota fundou em 1988 a AIDC (Associação Internacional de Direito de Consumo), dando início a uma catequese que se espalhou fortemente em Portugal, em países lusófonos, enfrentou e venceu barreiras na Comunidade Europeia e serviu de apoio para a criação, por exemplo, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (com sede em Brasília).

Impossível separar Mário Frota do debate, dos confrontos, muitas vezes.

Suas teses – defendidas com tenacidade incomum – podem movimentar até o importantíssimo e muito temido Comitê Econômico e Social Europeu (organismo da Comunidade Europeia), como aconteceu há pouco tempo. Foi quando, indignado com a maestria, a subtileza das técnicas de convencimento colocadas na publicidade europeia sobre o mundo infantil, protestou, pediu explicações e uma posição da CEE.

Frota mexeu com o Comitê Econômico da CEE que acabou acolhendo as teses do português, a favor de que se coíbam as investidas da publicidade contra o vulnerável ser que é a criança. E sobre a qual certas indústrias e o comércio vão transformando “e fidelizando” como consumidores, muitas vezes de produtos absolutamente danosos ao desenvolvimento psíquico e físico da criança. Sem falar de quanto acaba, essa publicidade, criando situações dolorosas para o orçamento doméstico, ao gerar o consumo do desnecessário.

PROTOCOLOS NÃO ENVOLVEM DINHEIRO

Para Mário Frota e o grupo de magistrados, juristas, universitários e intelectuais que apoiam suas iniciativas e as associações que dirige, o resultado não poderia ser mais alentador:

— Contra 3 abstenções de países-membros, o Comitê aprovou parecer recomendando um basta a essa manipulação da criança, diz Frota.

É verdade que alguns países da CEE já tinham alguma legislação sobre o assunto. Os dois casos mais emblemáticos de posições idênticas às da batalha de Frota ele reconhece na Suécia e Noruega, “que proibiram há tempo a publicidade dirigida à criança”, assinala.

E, como que deixando escapar, sem direção certa, um dardo fatal, Frota me olha no fundo dos olhos, adotando um tom que, no fundo, pode esconder júbilo: “E note-se que Suécia e Noruega têm o maior IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, do mundo...”.

Se a publicidade infantil tem repercussão sobre o hoje e o amanhã dos europeus, outra enorme frente de luta de Mário Frota marcou-lhe e identificou-lhe profundamente com os portugueses. Foi no começo dos movimentos que lidera: Frota e seus companheiros conseguiram que transformasse em lei, em Portugal, a proibição total a cortes abruptos de luz e energia.

Com isso, as fornecedoras de energia ficaram impedidas até de cortar o fornecimento de luz e força por falta de pagamento, assunto que terá de ser resolvido por outro foro. A medida caiu no gosto da comunidade, que anos depois veria esse acadêmico, sem ambições e sem pretensões a reconhecimento eleitorais, ocupar por 5 anos seguidos um dos horários privilegiados da televisão portuguesa, na RTP, no programa “Bom Dia, Portugal”.

NA TV, VIROU UM GRANDE “ASTRO”

A televisão foi a sopa no mel, transformou-se na imensa tribuna de que o idealista do Direito de Consumo passaria a dispor, em inserções diárias, seis dias por semana no programa que funciona como um dos despertadores de Portugal. A televisão foi até 1995. Mas ele nunca saiu dos meios de comunicação social. Hoje recorre com desenvoltura à internet, com páginas em que fixam seus conceitos, noticia feitos, recolhe opiniões, vigia pelo fiel cumprimento das normas que tão duramente vai conseguindo implantar na sociedade portuguesa.

Nunca deixou, igualmente, de atuar na imprensa: tem no seu site uma relação de jornais e rádios em que sua mensagem está presente. Chega a países como Angola (e Cabo), onde nasceu em 1941, e viveu até 1976, quando foi concluir estudos de Direito em Portugal e deu adeus à terra que fora de seus ancestrais lusos, notáveis militares que se estabeleceram em Moçamedes.

Ouvir Mário Frota, leva a que o interlocutor vá se familiarizando com expressões como “segurança alimentar”, tema que, sob pressão continuada das associações de Frota, o parlamento português teve de encarar, em 1993.

Segurança alimentar é, como o termo diz: trata de garantir alimentação com higidez e toda a segurança para consumo do ser humano.

“RECLAME PRIMEIRO” AGORA É LEI

Afinal, vou me indagando como nasceu esse espírito que não descansa de seu discurso sobre o Direito de Consumo, sem, no entanto, em nenhum minuto sequer, se tornar enfadonho ao ouvinte e/ou interlocutor? Acho que foi quando – me sugere Ângela Maria – a Associação Portuguesa de Direito de Consumo conseguiu sua primeira grande vitória, vendo-a implantada definitivamente em terras lusas: “Deixou de ser dogma o antigo ‘pague primeiro, reclame depois’. Agora, em Portugal, com a ação da APDC introduzida nas leis de defesa do consumidor, impera o ‘reclame primeiro, pague depois’”.

Na catequese brasileira já estabelecida, há sinais bem claros, como protocolos assinados com Procons (como o de São Paulo), com associações de magistrados, com escolas de magistratura, associações de classe, universidades (no Pará, Frota tem lecionado).

Esses protocolos não envolvem dinheiro – esclarece Frota que, como intelectual à antiga, aposentado do magistério, como a mulher, diretora Científica da APDC (“uma cartesiana psicóloga”, impressionantemente bem equipada expositora, como me afiança Queiroz), move-se fundamentalmente por seus sonhos e projetos.

“ELA É RESPONSÁVEL POR MINHA SANIDADE”

Há um núcleo de profissionais liberais, um grupo pequeno, que garante modestas entradas às entidades de defesa dos consumidores. O resto – “e não posso me preocupar com dinheiro, senão os projetos não caminham” – diz Frota.

O pouco financeiro pode chegar pela assinatura de revistas editadas pelas associações e contribuições modestas de associações.

Enquanto isso, Frota vai alimentando novas frentes de luta, esbarrando com o caos de uma legislação portuguesa que nunca se sabe quando, exatamente, foi derrocada ou se ainda está em vigor. Uma batalha que se alimenta, por exemplo, em busca de um código português de defesa do consumidor.

Diante de tantas dúvidas, aceitando “um cafezinho”, Frota olha para a sua Ângela Maria e decreta, com toda simplicidade e sabedoria surpreendentes:

— Minha mulher vale mais do que eu. Ela é a responsável por minha sanidade.

Essa explícita manifestação de amor é completada com frase de abrangência maior comunitária:

— Ela já fez mais pela cidadania do que muita gente...


Tags: Mário Frota e a capa da Revista Luso-Brasileira de Direito de Consumo nº 11;



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