Cultura
03.09.2015
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17.09.14
Quem está pobre? A Mônica ou a MPB?
por Dédallo Neves
Mônica Salmaso. Foto: Divulgação
Vicente Ribeiro, músico, diretor musical, arranjador e professor de música. Foto: Divulgação
Adriana Sydor é escritora, radialista e colunista de música da Ideias. Foto: Lina Faria
Alvaro Ramos é sócio-fundador e produtor musical da gravadora Gramofone. Foto: Divulgação

No dia 31 de julho a cantora Mônica Salmaso em entrevista ao jornal O Globo afirmou: “A música popular brasileira está pobre e nivelada por baixo”.O Globo estampou: “A MPB está pobre, diz Mônica Salmaso”. Já de cara há duas coisas diferentes, pois tratar de música popular é uma coisa, MPB é outra.

Na década de 1960 convencionou-se a classificar MPB como estilo musical, e a partir de então o que trazia um ideal de Brasil, uma identidade para a nação e o que se tocava nas rádios FMs era MPB, isso até os anos 1970, quando o movimento universitário também entrou com força na música e nomes como Aldir Blanc, João Bosco, Ivan Lins e Gonzaguinha, além de outros, ascenderam no cenário. Sobre os universitários na música, Ana Maria Bahiana, consagrada crítica musical dos anos 1970, falou: “a visão do veio principal da música, no Brasil, é, necessariamente, a visão das universidades”.

De Chico a Caetano, ou seja, da tradição à vanguarda, a MPB abraçou, porém a sigla veio progressivamente ganhando um caráter, talvez, reacionário e menos popular. MPB passou a significar “bom gosto”e status social, o caráter elitista progrediu e progrediu de tal maneira que levou uma própria mpbista a desdenhar seus colegas.

Vicente Ribeiro, músico, diretor musical e arranjador do grupo O Tao do Trio e regente e diretor artístico do Vocal Brasileirão, ambos aqui de Curitiba, esclarece: “Tem gente que diz que o objetivo da Mônica Salmaso era a Valesca Poposuda, eu acho que não, acho que ela nem considera isso música popular brasileira. Acho que ela está falando de Ana Carolina, Jorge Vercilo, trabalhos que estão inseridos no âmbito da MPB”, e lamenta: “imagino que em outras atividades haja uma união maior, os médicos, por exemplo, têm uma postura corporativista pra caramba e por mais que eles tenham as cisões internas, deixam pra lavar a roupa suja em casa. Você não vê outras categorias se digladiando dessa maneira”.

Mônica Salmaso, que está a lançar trabalho novo, uma compilação de músicas da parceria Guinga e Paulo César Pinheiro, vive a nova MPB, a MPB que não dialoga com o público, ou como definiu Vicente, “parece que a turma da Mônica faz música pra jornalista, o público passa longe, parece que ela não está interessada no público. Quando ela fala que a MPB está pobre, ela está desqualificando todo o público”.

A colunista de música aqui da revista Ideias, Adriana Sydor, vai na mesma linha, “perdeu a oportunidade de utilizar bom espaço para citar colegas de caminhada. Pena! Jornal com tanto alcance é oportunidade rara de ter sua voz a ecoar em muitos lugares. Se ela em vez de afirmar o ruim, promovesse o bom, haveria chances de espalhar o melhor”, embora seja discutível o que é o melhor, a afirmação confirma duas coisas: a primeira, Mônica Salmaso não teve o espírito de classe, defender seus parceiros músicos; a segunda, a nova MPB não está próxima das pessoas, talvez dos jornalistas.

Vicente Ribeiro vai além e nos lembra que, “tanto Caymmi, Ary Barroso, Noel Rosa, as figuras dos anos 1930 e 1940, que faziam música para entretenimento, estavam ligados ao público, assim como a geração da MPB dos anos 1970, que já tinha uma coisa de engajamento que também estava ligada ao público. De nada valia fazer uma música linda se aquilo não fosse ter um efeito sobre o público, ou de conscientização, ou de compartilhamento da indignação, ou de esperança. Era música feita pro público”.

Chico Buarque com o álbum Construção, de 1971, nas primeiras semanas que estava nas prateleiras, bateu a marca de 140 mil cópias vendidas, marca que fazia o “Rei” Roberto Carlos. “A MPB nos anos 1970 vendia, Chico Buarque vendia, era um produto comercial, a indústria estava bancando isso, estava tendo retorno”, afirma Vicente. A diferença entre Chico e Roberto Carlos é que o primeiro tinha altos índices de venda no eixo Rio-SP, enquanto o segundo chegava às casas do Brasil inteiro, porém ambos se comunicavam de maneira direta com os espectadores. Milton Miranda, diretor da gravadora Odeon, disse para, então estreante, Milton Nascimento: “Nós temos os nossos [músicos] comerciais. Vocês mineiros são a nossa faixa de prestígio. A gravadora não interfere. Vocês gravam o que quiserem”, referindo-se ao pessoal do Clube da Esquina. Isso foi durante muito tempo uma prática comum, as gravadoras tinham músicos que – geralmente os bregas – sustentavam a indústria fonográfica e traziam retorno financeiro, a poder dar mais liberdade aos mpbistas e trazer o prestígio ao selo. De uma forma ou de outra, fazia-se necessária a presença de artistas como Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros medalhões da MPB, pois, além do prestígio, o mercado exigia esses nomes.

Outro aspecto observado por Ribeiro é a necessidade dos jornalistas em cultivar mitos, “existe uma coisa histórica da imprensa dita especializada em música popular que sempre precisa eleger o gênio da raça, o mito. A imprensa sempre se baseia em construção de mitos. E a existência de determinado mito acabado sendo, indiretamente, em detrimento de outro”. E dá o exemplo de Noel Rosa e Wilson Batista, e ousa ao falar de Tom Jobim, “outro mito, genial, Tom Jobim. Ele volta nos anos 1970, depois de gravar com Sinatra, dois, três LPs, começa a fumar charuto, começa a cultivar aquela imagem de novo Villa-Lobos, e até então ele era um músico de Bossa Nova, e de repente criou-se um marketing em torno do Jobim”.

Aparentemente é isso o que está a acontecer com Mônica Salmaso, estão querendo, propositalmente ou não, mitificá-la. Sobre isso Vicente fala que “virou uma caixa de intocáveis [a Mônica e sua trupe] e não foi pra isso que o Chico Buarque, o Caetano Veloso trabalharam”. Contudo, ele diz também que isso tende a mudar, pois de uns anos pra cá o número de pessoas que buscam o curso superior em música está a crescer, logo teremos mais gente com informação e conhecimento para fazer análises mais precisas.

Embora seja reconhecida por boa parte da crítica como um dos principais nomes da atual MPB, Mônica Salmaso também divide opiniões sobre sua maneira de cantar, alguns a veem como sem açúcar, sem afeto, canta da mesma maneira músicas tão diferentes com sua voz melancólica, quase morta; outros a consideram a salvadora da pátria no meio de tanto “lixo” que se faz.

Apesar de algumas divergências, Vicente admira essa nova fase da MPB, “essa MPB que hoje é representada pela Mônica Salmaso, pelo Guinga, é maravilhosa, sou fã do trabalho deles, mas é uma música que perdeu o lugar”.

Muitos são os artistas que vivem de Lei de Incentivo, isso mostra como a vendagem – de shows ou de discos – anda fraca. “A MPB desaprendeu a se vender no bom sentido da palavra, o músico se acomodou a não precisar de público”, afirma Vicente.

Adriana Sydor é bem incisiva sobre as verbas federais e municipais destinadas à cultura, “uma política pública de cultura séria não tem editais de financiamento de projetos e até de capitalização de artistas como ponto central de seu texto. Política pública de cultura tem que envolver formação de plateia, educação, informação, conhecimento”. E isso vai ao encontro com o que diz o Artigo 4º da Lei Rouanet: “Favorecer projetos que atendam às necessidades da produção cultural e aos interesses da coletividade, aí considerados os níveis qualitativos e quantitativos de atendimentos às demandas culturais existentes”. Não é isso, no entanto, o que se vê em diversos projetos.

Mônica ou MPB?

A MPB não está pobre, nunca esteve, a partir do final dos 1980 ocorre um fenômeno – que coincide com a Lei de Incentivo, que é de um pouco depois, 1991 –, a falta de acesso do grande público às músicas, que veio manso, mas que agora já é uma realidade. Ela perdeu espaço primeiro na televisão, com o fim dos Festivais, mas resistia nas rádios, hoje, nem as rádios dão tanto espaço. Em Curitiba, há duas emissoras que tocam Música Popular Brasileira, a estatal e a Lumen, sendo que na última tem que competir com o que vem de fora. Sem contar a internet.

Mais uma vez, a MPB não está pobre, o que está pobre é a divulgação e o acesso que se tem a ela. E pelo que tudo indica, nem a própria Mônica Salmaso sabe o que está sendo feito.

MPB no Paraná

Na cena local temos a gravadora Gramofone, responsável por grande parte da produção de discos da MPB do Paraná. Alvaro Ramos, sócio-fundador e produtor musical da gravadora, consegue citar de cabeça mais de quarenta nomes da música, entre eles destacam-se Bernardo Bravo, Janaina Fellini, Cris Lemos, Ana Cascardo, Rosy Greca, Leo Fressato, Naina Carvalho, Mayte Corrêa, Iria Braga, além dos conjuntos, O Tao do Trio, Molungo, Universo em Verso Livre, Mundaréu, Nymphas, etc. Não citado pelo produtor temos cá na terra uma banda de expressão mundial, A Banda Mais Bonita da Cidade, que fez sucesso com a gravação de um clipe postado no Youtube, atingindo a marca de quase 14 milhões de visualizações, sem contar a expressiva massa de instrumentistas que se destacam no cenário nacional.

Alvaro salienta que a maioria dos artistas produz músicas autorais e possui mais de um CD gravado e que muitos recebem verbas da Lei de Incentivo à Cultura. Diz também que grava em média vinte trabalhos por ano, incluindo além de CDs, EPs, faixas isoladas para internet, clipe, etc.


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