Cultura
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
09.07.12
Flora emoldurada
por Tisa Kastrup

O lado de fora do muro - coberto de trepadeiras, heras e uma enorme variedade de plantas - já informa aos passantes que o lado de dentro deve ser mais verde ainda. E é. No aconchegante ático de uma casa imersa em um enorme jardim encontramos o estúdio da artista Marie Celine Delespinasse Bini. Rodeada de revistas e livros sobre paisagismo, botânica e jardinagem, Celine debruça-se pacientemente sobre sua prancheta de trabalho – que ela gosta mesmo é de chamar de hobby.


Os olhos atentos se dividem entre seu modelo vivo, o papel e a paleta de cores. Ao lidar com a aquarela, todo cuidado é pouco. Tanto com os borrões no papel quanto com a tinta, que deve ser milimetricamente misturada com a água e com os outros tons. Embora muitos considerem que reproduzir fielmente um modelo vivo através de uma ilustração não é arte, e sim uma pintura técnica, o trabalho de Celine encanta e enche os olhos. Sua arte começa no jardim de casa, onde coleta seus modelos: plantas nativas brasileiras. Se não os encontrar ali, compra na floricultura, pede emprestado a um orquidófilo ou faz uma excursão à Serra do Mar.

Uma ilustração botânica de Celine leva de 15 a 20 dias para ficar pronta. Captar com apuro cada detalhe da morfologia da planta, suas cores e texturas é um processo demorado. “Reproduzir com perfeição a forma é fácil, mas o grau de dificuldade para chegar à exatidão das cores que a natureza criou é imenso”, descreve a artista, enquanto confronta pacientemente dez diferentes tons de verde pincelados num pedaço de papel com as cores reais de seu modelo vivo, dessa vez uma “espada de São Jorge”.

Com formação universitária em Desenho e História da Arte pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Celine já era encantada pela flora quando fez sua pós-graduação em Paisagismo. Mas a ilustração botânica só ganhou de vez sua veia artística após assistir a uma palestra sobre o assunto no Cejarte – Centro de Jardinagem e Arte Floral do Paraná, apresentada por duas artistas que estudaram no Royal Botanic Gardens – Kew, em Londres, através de bolsas concedidas pela Fundação Margaret Mee.

Papisa da ilustração botânica mundial, Margaret Mee viveu por muitos anos no Brasil, fartando-se com a abundante flora nativa. Em testamento, deixou fortuna para que sua fundação retransmitisse seus conhecimentos e técnica a ilustradores botânicos brasileiros. Sua obra é, além de extensa e rica, absolutamente linda. Como a de Celine Bini.

Associada ao CIBP – Centro de Ilustração Botânica do Paraná, entidade sem fins lucrativos que incentiva a prática da ilustração botânica favorecendo a conscientização pela preservação de espécies nativas, em especial, as ameaçadas de extinção, Celine já teve algumas de suas obras publicadas em livros técnicos, teses de doutorado e os encantadores calendários do CIBP. Curiosamente, ainda não vendeu nenhum quadro no Brasil. Seus clientes são alemães, que na falta de uma flora rica e cheia de cor ao alcance das mãos chegam a desembolsar 400 euros pelo privilégio de ter sua poesia natural colorindo as paredes.

 

Arte neofotográfica de Marie Celine Delespinasse Bini

Por Ivens Fontoura

Desde o Paleolítico, a humanidade se utiliza da arte para expressar seu pensamento e representar o entorno próximo e distante. Do interior das cavernas de outrora até os espaços dos ateliers e galerias de arte atuais os artistas têm retratado seu tempo de vários modos. Desenhistas, escultores, gravadores, ilustradores e pintores são fiéis testemunhas das transformações da natureza e dos ambientes construídos. Graças ao trabalho desta gente tem sido possível realizar distintas leituras, permitindo o traçado das linhas do tempo.

Não obstante, a descoberta do ‘betume da Judéia’ por Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) e o design do ‘daguerreótipo’ por Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) na primeira metade do século XVIII propiciaram o advento da fotografia, ainda que sua aplicação prática só tivesse ocorrido cento e doze anos depois, em 1840. Curiosamente, a palavra Photographie foi criada no Brasil por Antoine Hercule Romuald Florence (1804-1879), que participou da expedição do Barão Georg Heinrich von Langsdorff pelo país. Contudo, a partir de sua evolução e o desenvolvimento de novas tecnologias houve gente que pensou que a fotografia substituísse, por exemplo, a pintura.

Na mesma razão que o avião não substituiu o navio e a televisão não substituiu o rádio ou a técnica do off-set não substituiu a litografia, a fotografia também não substituiu a pintura. Por quê? Porque a câmara fotográfica é como o olho; registra, mas não interpreta seu alvo, cujo fato foi comprovado pelos fundadores da Gestalt no início do século XX. É o cérebro, portanto, quem faz a escolha: vê-se o que se quer ver e no caso particular do ilustrador, desenha-se o se quer mostrar.  Daí, a importância do artista, por conseguinte, da ilustração, tanto artística como científica, em particular, a botânica. Tal importância se explica pela capacidade do ilustrador em fazer sua opção, enquadramento e focalização mais além da fotografia e seus equipamentos de última geração. Afinal, não se pode ter conhecimento do todo por meio de suas partes, pois o todo é maior do que a soma de suas partes. Por esta e outras razões, o trabalho dos ilustradores têm sido fundamental para o avanço da ciência e ao trabalho em defesa da preservação do meio ambiente no planeta.

É neste universo que se destaca a participação de Marie Celine Delespinasse Bini, com seu olhar apurado capaz de detalhar o tecido vegetal e suas mais delicadas particularidades. Pois, a ilustração botânica é a arte de representar uma planta com a maior fidelidade possível, garantindo seu reconhecimento. Mais que isto, tem a capacidade de seduzir o observador. A composição agradável da rama, folhas e flores sobre o espaço limitado do papel e o domínio de técnicas de expressão gráfica como a aquarela e o lápis de cor avalizam seu trabalho. O registro da luz e das sombras, evidenciando os brilhos, arremata cada uma de suas ilustrações. Celine e seus colegas do Centro de Ilustração Botânica do Paraná dão continuidade ao trabalho preconizado por artistas e cientistas reconhecidos internacionalmente. De um lado, Albert Dürer, Andreas Versalius e Leonardo Da Vinci; de outro, Alexander Von Humboldt, Carl Friedrich Philipp von Martius e Charles Robert Darwin, entre outros. A arte de Celine é neofotográfica.

 

Fotos Dico Kremer


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