Cultura
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
04.05.15
Vai trabalhar, criatura!
por Adriana Sydor
Tim Maia - Foto: Reprodução/site pt.wikipedia.org/wiki/Tim Maia
Ed Motta - Foto: Rodrigo Tinôco
Jorge Ben Jor - Foto: Reprodução/site guiadasemana.com.br
Adoniran Barbosa - Foto: Arquivo TV Brasil

Horário de Trabalho
(Cecília Meireles)

Depois das treze poderei sofrer:
antes, não.
Tenho os papéis, tenho os telefonemas,
tenho as obrigações, à hora certa.

Depois irei almoçar vagamente
para sobreviver,
para aguentar o sofrimento.

Então, depois das treze, todos os deveres cumpridos,
disporei o material da dor
com a ordem necessária

para prestar atenção a cada elemento:
acomodarei no coração meus antigos punhais,
distribuirei minhas cotas de lágrimas.

Terminado esse compromisso,
voltarei ao trabalho habitual.

 

Dizem por aí que o trabalho dignifica. Alguns esperam por férias, outros gostam tanto de suas obrigações que as transformam em diversão e tem também aqueles que, de fato, vieram ao mundo a passeio. Para cantar situações diferentes, um time de trabalhadores incansáveis da MPB acorda cedo, ou dorme tarde, e se dedica à eterna reportagem de nossas realidades.
Cheio de apontamentos que o cutucavam como não muito chegado ao trabalho pesado, Tim Maia é o primeiro da fila na edição deste mês. Na verdade, as críticas por conta daquele comportamento tão particular, que percorria atrasos e faltas, mas que era também exercício de liberdade, nem sempre eram certas. O grande Sebastião Rodrigues Maia era um criador, um homem de muitas realizações e de batalha dura, na vida e na arte – síndico dos sete mares. Ironicamente começamos com Sossego, música lá da década de 1970, que todo mundo sabe até hoje: “Ora bolas, não me amole / Com esse papo de emprego / Não está vendo? / Não estou nessa, / O que eu quero é sossego / Eu quero sossego”.
Da árvore de Tim nasceram outros galhos. Entre eles, Ed Motta, que mês passado tratou de se indispor com fãs e não-fãs a falar bobagens na internet. Essa é outra história, mas, na de hoje, cabe lembrar de Vamos Dançar, parceria com Rafael Cardoso, que se alimenta no suingue e na temática de Sossego: “Eu não nasci para trabalho/ Eu não nasci para sofrer / Eu percebi que a vida / É muito mais que vencer”.
Mas bem antes dessa plantação, em 1931, Joubert de Carvalho e Olegário Mariano trataram de vingar dois males de uma vez só e numa única atitude: deixaram o trabalho de lado para desforrar a ingrata. O cateretê De papo pro ar tem humor, sabor e vende bem a ideia de um sertanejo em dia com o autocompromisso da felicidade: “Quando no terreiro / Faz noite de luá / E vema saudade / Me atormentá / Eu me vingo dela / Tocando viola / De papo pro á / Se ganho na feira / Feijão, rapadura / Pra que trabaiá / Eu gosto do rancho / O homem não debe / Se amofiná”.
Um tiquinho mais responsáveis, mas andando ali, na beira do precipício, Herivelto Martins e Roberto Roberti escreveram Izaura, música que desfilou pelo carnaval de 1945 e foi para disco de João Gilberto em 1977; o cidadão, responsável e ponderado, sofre aflito entre os deveres do trabalho e as entregas do amor: “O trabalho é um dever / Todos devem respeitar / Oh,  Izaura, me desculpe / No domingo eu vou voltar / Seu carinho é muito bom / Ninguém pode contestar / Se você quiser,  eu fico / Mas vai me prejudicar / Eu vou trabalhar”.
Outro que teve problemas entre os prazeres da companhia da mulher amada e as obrigações do relógio foi Jorge Ben, que não consentia deixar Bebete saracoteando sozinha no samba enquanto tinha que ir pra casa para o merecido descanso. Bebete Vão bora: “E você sabe muito bem / Que logo mais eu tenho que trabalhar / Já não posso mais chegar atrasado / E nem pensar em faltar / Pois o novo gerente / Não é lá muito meu amigo”.
E os artistas do marketing, aqueles que vendem de tudo ou que emprestam assunto alheio para contar sobre quem anda por aí ganhando o pão e o leitinho das crianças na arte de propagandear seus produtos? Nesse tema, destaco três momentos da MPB: Vendedor de Caranguejo, de Gordurinha: “Caranguejouçá / Caranguejouçá / Apanho ele na lama / E trago no meu caçuá / Tem caranguejo / Tem gordo guaiamum / Cada corda de dez / Eu dou mais um”; Vendedor de Bananas, repetindo Jorge Ben: “Olha a banana / Olha o bananeiro / Eu trago bananas prá vender / Bananas de todas qualidades / Quem vai querer / Olha banana Nanica / Olha banana Maçã / Olha banana Ouro / Olha banana Prata / Olha a banana da Terra / Figo São Tomé / Olha a banana d’Água / Eu sou um menino / Que precisa de dinheiro / Mas prá ganhar de sol a sol / Eu tenho que ser bananeiro” e Menino das Laranjas, de Theo de Barros “É madrugada, vai sentindo frio / Porque se o cesto não voltar vazio / A mãe já arranja um outro para laranja / Esse filho vai ter que apanhar / Compra laranja, doutor, / Ainda dou uma de quebra pro senhor!”. A última, um pouquinho mais forte, porque trata da infância, da realidade dura de quem trabalha ainda no tempo de brincar, mais do que a composição de Ben. Theo de Barros gosta de olhar para a sociedade na qualidade de quem a despe, procura seus pormenores para denunciá-la.
Adoniran Barbosa se dedicou a contar algumas rotinas de trabalhadores simples, força bruta que constrói o Brasil com braço forte. Um desses momentos é Torresmo à Milanesa, simpática e doidinha de realidade, tem parceria com Carlinhos Vergueiro: “O enxadão da obra bateu onze hora / Vamos embora, João! / Que é que você troxe na marmita, Dito? / Troxe ovo frito, troxe ovo frito / E você, Beleza, o que é que você troxe? / Arroz com feijão e um torresmo à milanesa / Da mina Tereza! […] O mestre falou / Que hoje não tem vale não / Ele se esqueceu / Que lá em casa não sou só eu”.
A mãe solteira que trabalha de empacotadeira, o pedreiro pensador que espera que sua sorte mude, os pescadores de Dorival Caymmi, a trabalhadora da fábrica de tecidos, lavadeiras do rio que ensaboam roupas, garçons que aturam malandros, malandros regenerados que sobem em bonde a caminho do trabalho e muitas, muitas outras profissões têm lugar garantido no mundo da música popular brasileira, que é retrato da vida, que narra o cotidiano e que denuncia os detalhes mais rotineiros do país.
E é assim, dignificando a existência ou se distraindo de si ou só, e tão-somente, para pagar as contas, que todo mundo, e cada um, passa os dias – emprego curioso desse meio tempo que temos, entre a vida e a morte.
Bom trabalho e até mês que vem.


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