Cultura
03.09.2015
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09.07.12
Mundo de Bebeti
por Talita Boros

Escritora lança obra que traz Proust, Boccaccio, Woolf e outros consagrados para a capital paranaense. Como seria a Curitiba deles?

A escritora Bebeti do Amaral Gurgel em foto de Tatiana Nasser

Curitiba é uma cidade de inversos. Entre os que nasceram e os que adotaram a cidade como lar, têm os que a amam e os que a odeiam. Nessa mistura de sentimentos, há também os que nutrem uma paixão odiosa pela cidade. Assim acontece com a escritora Bebeti do Amaral Gurgel. Para ela, não tem como não amar e odiar Curitiba. Tudo ao mesmo tempo. Desse relacionamento conturbado com a cidade, Bebeti fez nascer seu novo livro “Bocas Malditas”, em breve publicado pela Travessa dos Editores. Com intensa criatividade, a jornalista imaginou como seria se Clarice Lispector, Virginia Woolf, Edgar Alan Poe, Marcel Proust e outros ilustres vivessem nessa parte gelada do sul do Brasil. O resultado é uma obra de contos irônica, recheada de curitibanices às vistas dos escritores.

“A ideia para um livro sempre surge do nada. Às vezes você está lendo um texto de Virginia Woolf e começa a imaginar ela morando em Curitiba. Foi assim que aconteceu”, conta a autora que tem 13 obras lançadas no Brasil e um livro “O Diário Supersecreto de Carolina”, lançado em servo-croata no ano passado com o título “Karolinin tajni dnevnik”. Assim como o colega Cristovão Tezza, Bebeti acha que os curitibanos sofrem do mal da autofagia. E isso, para ela, é a parte divertida de escrever uma obra que questione as maravilhas de se viver na capital dos pinheirais.

A maior intenção da escritora é que “Bocas Malditas” cutuque a ferida provinciana dos que vivem por aqui. “O curitibano tem a característica de se ofender quando se fala mal da cidade. Eu acho supercurioso isso, apesar de ter nascido aqui. Quero ver o que as pessoas vão achar quando eu falo que ‘Curitiba é fria’, ‘Curitiba não tem calefação’”, conta. Para ela, falar mal de algo também serve como homenagem. E é isso que Bebeti faz na obra, homenageia Curitiba, pelo seu pior, através dos olhos de autores consagrados.

Bebeti conta que precisava escrever sobre o frio de Curitiba. “É uma coisa que me incomoda, precisava falar sobre isso”, destaca. A melancolia das baixas temperaturas faz parte dos curitibanos e é retratada com perfeição nos personagens do livro. “É impossível que as pessoas não sejam sensíveis ao clima. Para mim, o frio de Curitiba se tornou um personagem. Os curitibanos são um reflexo do frio: fechados, cinzas, não-espontâneos”, diz. Imagine agora a angustiada Clarice Lispector morando em Curitiba. Isso é “Bocas Malditas”.

Bebeti viveu por 15 anos fora da capital paranaense – entre Holanda, Alemanha, Inglaterra, São Paulo e outros cantos. Por essas e outras, pode-se dizer que é pioneira. Foi dela “Pecados Safados”, primeira obra de literatura brasileira onde a protagonista era homossexual. Além disso, também foi proprietária da primeira livraria feminista do País, instalada – curiosamente – aqui em Curitiba. “Livrarias temáticas eram super comuns na Holanda. Em Amsterdã tinham muitas feministas. Então eu voltei pro Brasil e decidi abrir uma aqui em Curitiba. Não era uma livraria para a mulher, era uma livraria sobre a mulher”, afirma.

Feminista de carteirinha e carimbo, Bebeti não esconde que selecionou para o livro apenas os escritores não-machistas. “A escolha foi aleatória, mas todos são autores que gosto, admiro e posso dizer que domino. Me preocupei que não fossem machistas e também em variar. Escolhi brasileiros e estrangeiros, mulheres e homens”, diz.

“A palavra feminista é vista com maus olhos aqui no Brasil. Existe um mau humor contra a palavra. Ser feminista é simplesmente querer que a mulher tenha os mesmos direitos dos homens. E só”, afirma. A bandeira que Bebeti levanta no feminismo é literária. “Todos os meus livros não têm linguagem sexista. Essa é minha preocupação. Nunca vou escrever um livro infantil onde o marido aparece lendo jornal e a esposa lavando a louça. Tenho esse cuidado”, conta.


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