Cultura
03.09.2015
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03.09.2015
10.08.15
Masculino Popular Brasileiro
por Adriana Sydor
Ney Matogrosso - Foto: Reprodução/site vistolivre.xpg.uol.com.br
Baby e Pepeu - Foto: Reprodução/site brasilpost.com.br
Frejat - Foto: Reprodução/site alessandrofadini.com.br
Banda Herva Doce - Foto: Divulgação
Alice Caymmi - Foto: Reprodução/site agitosp.com

Em julho, uma data navegou nas redes sociais: 15 de julho, Dia Nacional do Homem. Aprendi num sítio da internet que o “Dia do Homem é uma iniciativa da Ordem Nacional dos Escritores, e é quando geralmente alguns grupos atuam na defesa dos direitos masculinos.” A data está estampada no calendário do nosso país desde 1992, não encontrei o motivo nem a voz criadora, mas fiquei sabendo também que internacionalmente ele acontece 19 de novembro.
Sempre me causa espanto o quanto a mulher é cantada na MPB. Para enaltecer a beleza, as qualidades de espírito, seus defeitos e traições, as esperanças que brotam a partir de seu olhar, os sofrimentos que causam a almas mais sensíveis... e por aí vai, um sem-fim de motivos, todo assunto é válido para cantar as musas.
Mas e os homens? Como nossa música trata do sexo masculino?
Já sabemos que ser um homem feminino não fere o lado masculino de ninguém, ou pelo menos não o de Pepeu Gomes, que cantou esses versos em parceria com Baby do Brasil e Didi Gomes, na “Masculino e feminino”, que em 1983 provocou indignações diversas quer pela citação de Deus; quer pelo reconhecimento de um homossexualismo, mais na cabeça de quem ouviu do que na letra de quem cantou; quer pelo clipe original com o vibrante balé de Denilto Gomes.“Ser um homem feminino / Não fere o meu lado masculino / Se Deus é menina e menino / Sou Masculino e Feminino”.
“Homem não chora”, a afirmativa do título do pop-rock de Frejat e Alvin L. é na verdade uma negativa ao contrário, uma ironiazinha para chamar atenção. O cabeludo confessa suas fragilidades sem medo: “Homem não chora nem por dor, nem por amor/ E antes que eu me esqueça / Nunca me passou pela cabeça lhe pedir perdão/ E só porque eu estou aqui, ajoelhado no chão/ Com o coração na mão/ Não quer dizer que tudo mudou”.
E falando em homem super sensível, sem nenhum receio de se mostrar e se deixar perceber, eu ia citar Roberto Carlos e seu hit dos últimos tempos “Esse cara sou eu”. Mas não posso fazer isso. Não que tenha alguma coisa contra o Rei ou o sucesso da novela ou o ego ultra inflado de quem se auto-intitula o cara de alguém, não consigo citar a música porque no site em que busco as letras para estampar aqui encontrei o aviso: “Essa música foi removida em razão de solicitação do(s) titular(es) da obra”. Que pena! Menos um nessa coleção de homens da MPB.
Parto então em direção de um super homem, Gilberto Gil: “Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria/ Que o mundo masculino tudo me daria/ Do que eu quisesse ter/ Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara/ É a porção melhor que trago em mim agora/ É o que me faz viver […] Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória/ Mudando como um deus o curso da história/ Por causa da mulher”. Bela e recheada de sensibilidades para gênero nenhum botar defeito, a música foi feita em uma hora, depois que Caetano Veloso contou cheio de entusiasmos ao autor sobre o filme que havia acabado de assistir no cinema, para ele, o ápice estava na cena em que o herói girava a terra ao contrário de seu percurso de rotação para voltar no tempo e salvar a mocinha. No livro “Todas as Letras” ele contou assim “muita gente confundia essa música como apologia ao homossexualismo e ela é o contrário. (...) Eu tinha feito ‘Pai e Mãe’ antes, já abordara a questão, mais explicitamente da posição de ver o filho como o resultado do pai e da mãe. Em ‘Super-Homem — A Canção’, a ideia central é de que pai é mãe, ou seja, todo homem é mulher (e toda mulher é homem)”. O Superman vivido por Christopher Reeve, narrado por Caetano e sentido por Gil virou uma obra prima.
Ah! Mas vamos deixar as delicadezas do espírito um pouco de lado e percorrer as coisas da carne, o sonho sexual. Em 1985, enquanto a democracia dava jeito para voltar a caminhar por essas terras, a música brasileira conhecia uma enxurrada de bandas que se lançavam no cenário pop a tocar em festinhas de garagem, nas FMs, nos LPs, nas fitas cassete dos inseparáveis walkmans. Era a juventude que precisava dar um recado mais despojado a uma sociedade que sabia das coisas através de metáforas, entrelinhas e filosofias escondidas. Uma das bandas daquele ano foi a meteórica Herva Doce. Eles já tinham encontrado as paradas de sucesso três anos antes com “Erva Venenosa”, uma versão de “Poison Ivy”, canção de 1959 do repertório conjunto The Coasters, mas sacudiram o Brasil com “Amante Profissional”. Das mais ousadas garotas da turma às mais pudicas meninas de família, todo mundo cantava sobre o tipo contratado para serviços gerais, sem compromisso emocional, só financeiro: “Moreno alto, bonito e sensual / Talvez eu seja a solução / Do seu problema / Carinhoso, bom nível social / Inteligente e à disposição / Prum relacionamento íntimo e discreto / Realize seu sonho sexual”, composição de Roberto Ley.
Alice nasceu numa família forte, carrega o sobrenome do dono do nirvana da música baiana. É neta de Caymmi, filha de Danilo, homens de respeito. Lançou o segundo disco em 2014 e lá, no “Senhora dos Raios”, trovejou o rock de Caetano Veloso “Homem”: “Não tenho inveja da sagacidade / Nem da intuição / Não tenho inveja da fidelidade / Nem da dissimulação / Só tenho inveja da longevidade / E dos orgasmos múltiplos, dos orgasmos múltiplos, dos orgasmos múltiplos”. Ok, Caetano, a gente já se habituou às suas vontades de falar sobre assuntos que alguns podem achar chocantes, mas, cá pra nós, de orgasmos múltiplos quem entende mesmo é Alice Caymmi, parece. A releitura que a moça fez tem o tom de quem não tem pelo grosso no nariz, mas esbanja conhecimento da causa.
Outro que sabia bem do que estava a falar ao ser intérprete de uma música foi Ney Matogrosso. Na década de 1980, gravou “Homem com H”, perfeita para os seus espalhafatos cênicos. A composição é de Antônio Barros que a começou a partir da frase “Eu nunca vi rastro de cobra nem couro de lobisomem...” que Odorico Paraguaçu disse para seu secretário Dirceu Borboleta, personagens do inesquecível “O Bem Amado”. É o contraste de Ney, a pular com franjas pelo corpo, maquiagem forte e rebolado de deixar as dançarinas do É o Tchan no chinelo e entoar “e com H sou muito homem...”, que dá a beleza e a crença em suas palavras. Há 30 anos precisava ser muito homem mesmo para tratar das coisas assim. “Quando eu estava pra nascer / De vez em quando eu ouvia / Eu ouvia a mãe dizer: / ‘Ai meu Deus como eu queria / Que esse cabra fosse home / Cabra macho pra danar’ / Ah! Mamãe aqui estou eu / Mamãe aqui estou eu / Sou homem com H / E como sou!”. Viva o Ney!
A coluna vai chegando ao fim, e considero que esse é bom momento para Bernardo Pellegrini que resumiu a existência masculina de forma muito, muito divertida. Eliane Bastos gravou e a apresenta por aí, a reafirmar nesses tempos em que muito se fala da condição da mulher que “Homem é Bom”:

 

“Não precisa ter medo de homem
Homem é igual lobisomem
Quando o dia cai e a noite vem
A lua sai e o homem quer sair também
Homem é bom homem faz bem
E tem sempre um homem
Procurando alguém
Homem é bom pra trocar pneu
Homem é bom pra carregar bagagem
Homem é bom pra mandar flor
Homem é bom para fazer neném
Homem é bom pra comprar bombom
Homem é bom para falar bobagem
Homem é bom pra manchar de batom
Homem é bom pra abrir embalagem
Homem é bom pra contar vantagem
Homem é bom pra causar freeson
Homem é bom pra passar a mão
Homem é bom pra beijar o abdômen”.


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