Cultura
03.09.2015
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05.03.13
Música Rósea
por Marisa Villela

Por mais que se diga que essa coisa de discutir gênero ou desvendar o universo feminino já se esgotou, há sempre uma nova forma de contar uma nova história de mulheres

Fotos: Rubens Nemitz Jr.

Uma orquestra composta só de mulheres. Elas são as “Ladies Ensemble” de Curitiba. Um nome em inglês que diz tudo. No cotidiano, elas se nominam simplesmente de “Ladies”. E são mesmo. Mulheres competentes nas profissões que escolheram, educadas, estudiosas da música e na vida. Como bem diz o nome do grupo, cada uma delas é uma “lady” em particular.

A qualidade do trabalho é indiscutível, porque todas são musicistas profissionais e cada uma é solista no seu naipe, o que no mundo da música erudita significa competência e preparo. São, na maioria, integrantes de instituições reconhecidas como a Orquestra Sinfônica do Paraná, Camerata Antiqua de Curitiba e Orquestra de Câmara da PUC. E formam um conjunto de alto quilate musical.

 

O começo

A ideia de formar uma orquestra só de mulheres começou a se desenhar faz muito tempo, quando a violista Fabíola Bach fazia parte da Orquestra Experimental de Repertório, em São Paulo, sob a regência do maestro Jamil Maluf. O convite partiu de uma grande indústria de cosméticos para uma tournée nacional onde só mulheres tocavam – e usavam os produtos de beleza da empresa patrocinadora. A primeira edição do projeto aconteceu em 1999. A partir dessa temporada, “as meninas da OER”, batizadas com o pomposo nome de Orquestra Filarmônica de Mulheres, acompanharam grandes nomes da música internacional como Sarah Vaughan, a jamaicana Diana King, Kiri Te Kanawa e Sarah Brightman.

De volta a Curitiba, Fabíola continuou sua carreira musical sem abandonar o projeto de um dia montar uma orquestra exclusivamente de mulheres. Em abril de 2010, a experiência paulista teve sua versão paranaense e, com algum custo e muita relutância, o Ladies estava pronto para a primeira apresentação. E a estreia foi num dos lugares mais charmosos da cidade: no Museu Oscar Niemeyer, durante a abertura da exposição de Martin Chambi.

No início, eram apenas cinco instrumentistas. Passaram para oito, depois dez e agora são quinze integrantes permanentes de uma orquestra de cordas e percussão. “Mas pode ter mais. O Ladies é versátil e, dependendo do concerto, acrescentamos ou suprimimos instrumentos em cada naipe”, diz a violista.

 

Universo feminino

Bem longe do discurso feminista e de possíveis preconceitos, o Ladies coloca-se no mercado com esse diferencial: abrange o universo feminino por meio da música, principalmente porque o conjunto é formado como se fosse uma pequena amostra de todas as mulheres brasileiras. Elas têm idade entre 20 e 70 anos, vestem manequins desde o 40 ao 48, pintam unhas e cabelo de cores diferentes, são consumidoras, casadas, solteiras, divorciadas, com ou sem filhos. Mas se igualam por intermédio da música, quando seguem a mesma partitura. Aí a harmonia entre elas é total.

Mas não é só na música que existe concordância. Apresentam-se com vestidos de modelos idênticos e vindos da mesma confecção. O colorido dos trajes causa impacto aos que estão acostumados a ver os sisudos vestidos negros nos concertos sinfônicos. Ao se vestirem nos tons de rosa ou orquídea, as integrantes do Ladies transferem alegria e suavidade ao público. “Tudo bem feminino”, diz Fabíola, “inclusive o palco, onde ambientamos com flores, luzes coloridas ou, se for um concerto de final de ano, enfeitamos com adereços natalinos”.

 

Elegância

Clarice Lispector, em uma crônica deliciosa, perguntou: “Você é tão antiquada a ponto de considerar vaidade feminina uma frivolidade?”. No entender da Orquestra Ladies Ensemble cuidar da aparência não é nem um pouco fútil. Ao contrário. Os enfeites, a maquiagem, os vestidos cor-de-rosa e flores ao redor podem até parecer antiquados nesses tempos contemporâneos, quando ainda há segmentos sociais que insistem em repetir o bordão de que a mulher, para vencer a concorrência no mercado masculino, deve ser forte, lutadora, competente e...feia e mal vestida! 

Ao resgatar elementos próprios do mundo feminino, o Ladies mostra que é possível, sim, ser competente sem perder a graciosidade. Que se pode ser uma virtuose na música sem renunciar ao cabeleireiro, ao visagista, ao maquiador. O maestro Neschling disse, certa vez, que para um músico “o palco é a sua igreja”, é o lugar onde o artista deve melhor se apresentar. “O público merece não só ouvir uma bela apresentação musical, mas também gosta de ver artistas bem postados, com sapatos bonitos e roupas de bom corte e caimento. O concerto é também visual”, diz Fabíola.

Deixando de lado questionamentos puramente estéticos, as mulheres do Ladies mantém o firme propósito da originalidade. O ineditismo também é um ponto a favor. Não se tem conhecimento de composições sinfônicas no Brasil além de quartetos e quintetos femininos, e nenhum se compara ao Ladies em número de participantes. E dentro dessa proposta de exclusividade de gênero, sempre convidam maestrinas para reger os concertos, como Elena Moreno. Quando o repertório requer canto lírico, são convidadas apenas cantoras para as árias de personagens como “Carmen”, de Bizet, ou “Rosina”, do “Barbeiro de Sevilha”, ou trechos da ópera “L’Italiana in Algeria”. Também já participaram de um grande concerto onde foram acompanhadas por um coral curitibano exclusivamente de vozes femininas.

 

Repertório

No mundo da música clássica, Bach, Vivaldi e Mozart são predominantes no repertório do Ladies Ensemble. Para tocar obras que exigem outros instrumentos sinfônicos além das cordas e percussão, o grupo é socorrido pelo músico Alexandre Brasolim, que faz as reduções e os arranjos adequados para partituras destinadas aos  violinos, viola, violoncelo e contrabaixo.

Com a mesma desenvoltura que tocam a música clássica, as musicistas do Ladies entram no ritmo brasileiro com uma coleção de belas melodias de Tom Jobim, Chico Buarque e Pixinguinha como “Rosa”, “Lígia”, “Beatriz”, “Luiza”, “Maria Maria”. E não fica só nisso. Elas também relembram as canções dos Beatles como “Hey Jude”, “Woman”, “Michelle”, “Elaonor Rigby” e tantas outras que possuem títulos femininos. E já está em andamento uma seleção de tangos para os próximos concertos, com um trio de bailarinos para acompanhar o clima de amor e tragédia. Assim, o Ladies dividirá o palco com presenças masculinas... na conquista de uma mulher!

Projetos para novas apresentações não faltam às mulheres do Ladies Ensemble. Mas dois são acalentados como sonhos a realizar: um, o concerto só com músicas de Chiquinha Gonzaga, a brasileira mais conhecida no mundo das mulheres musicistas. E outro, uma homenagem à pianista e compositora Hermínia Lopes Munhoz, a “Dona Maninha”, considerada a matriarca musical curitibana, cuja obra é quase desconhecida do público paranaense.

 

Dificuldades

Não se pode falar de uma Orquestra de Mulheres de Curitiba sem pensar nas poucas oportunidades que a cidade dá aos novos grupos musicais. Além de considerar o fechado calendário cultural, é preciso criar mecanismos de relações duradouras com o público. Projetos culturais pontuais e esporádicos podem até gerar retorno de mídia, mas a sua duração é efêmera. As integrantes do Ladies Ensemble têm ciência dessas dificuldades e tentam abrir brechas interessantes. “Pensamos em concertos beneficentes, patrocinados por empresas de qualquer porte, para ultrapassar os limites culturais e promover também um benefício social”, diz Fabíola Bach, “como o concerto de Natal que fizemos em 2011, com a participação de crianças especiais, que foi muito marcante para aqueles que assistiram.”

Apesar das dificuldades para serem conhecidas e solicitadas, o Ladies Ensemble está ativo no cenário de espetáculos musicais da cidade. “Queremos tocar sem amarras, sem limitação nem de local ou tipo de público, e sem restrição a este ou aquele repertório. Se for música de boa qualidade e bem construída, tocamos praticamente todos os gêneros. É só escolher”.


Tags: Orquestra; mulheres; música; Ladies Ensemble;



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