Cultura
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09.04.13
Comercial ou experimental?
por Guilherme Magalhães

Críticos e pesquisadores de teatro discutem os caminhos da mostra principal do Festival de Curitiba 2013

Escolha da programação da edição de 2013 coloca em pauta os rumos do maior festival de teatro do País (Foto: Divulgação)
Parlapatões encenam personagens do quadrinista Angeli, em uma das peças que chamaram a atenção da crítica (Foto: Camila Possolo)

Após uma edição considerada previsível por grande parte da crítica teatral brasileira, o Festival de Teatro de Curitiba abriu as cortinas de sua mostra principal pela vigésima segunda vez prometendo, novamente, apresentar o panorama atual das artes cênicas do País através do apagamento de fronteiras geográficas e de linguagens. Palavras do programa oficial da mostra 2013, que reúne 32 espetáculos. O time de curadores é o mesmo das últimas seis edições, formado por Celso Curi, Lúcia Camargo e Thania Brandão.

Mais de duas décadas depois, a mostra oficial mantém-se ousada? Falta um norte para o Fringe se firmar como espaço de experimentação atrativo também para o público? Afinal, são 374 espetáculos nesta 16ª edição da mostra paralela do festival, oriundos de 20 estados brasileiros e do Distrito Federal.

O crítico paulista Valmir Santos, colaborador do jornal Valor Econômico e da revista Bravo!, cobre o Festival de Curitiba desde 1993 e constata que a programação deste ano destoou das recentes edições, em que as escolhas soavam erráticas. “É provavelmente a mais ousada e arriscada que essa curadoria já assinou. Lemos nas entrelinhas as escolhas para o teatro de pesquisa, mesmo quando contempla o entretenimento em si sem prejuízo do pulso artístico”, afirma.

O crítico cita como principais exemplos a comédia O terraço e Parlapatões revistam Angeli, em que comediantes do grupo teatral Parlapatões encenam personagens do quadrinista Angeli, em uma das inéditas coproduções do próprio festival. “É possível que tudo isso reflita uma posição artisticamente mais aberta de Leandro Knopfholz em seu sexto ano à frente do evento”, avalia Santos.

 

Timidez

Seis anos com o mesmo time de curadores abrem espaço para o amadurecimento desse corpo crítico, defende a crítica e pesquisadora de teatro Soraya Belusi, de Belo Horizonte (MG). “Isso permite que ele crie uma identidade para o festival com o passar dos anos”. Mas ela lembra que a rotatividade é sempre positiva.

A jornalista e crítica teatral Luciana Romagnolli, curitibana que hoje reside na capital mineira, observa da parte dos curadores da mostra principal um tímido exercício de olhar além das fronteiras imediatas. “A concentração do olhar dos curadores recaía sobre São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, deixando desatendido o restante do País. Nesta edição e na passada, ainda que timidamente, esse olhar se ampliou, trazendo em 2012 dois espetáculos do Recife e, agora, da Bahia”, aponta a jornalista.

Luciana acompanha profissionalmente o festival há oito anos. Não o considera ousado, mas sim um evento que busca ficar numa zona de conforto, abarcando tanto produções com diretores consagrados e atores com apelo de público, quanto grupos mais jovens e envolvidos com pesquisa teatral. “Neste ano vi uma programação um pouco mais interessante, na qual os atores com esse potencial para chamar público são também grandes artistas do palco: Marco Nanini e Renata Sorrah”. O teatro de grupo, movimento forte do teatro brasileiro das últimas décadas, segundo Luciana, também foi bem representado, através das companhias Espanca! e Luna Lunera (MG), Balagan (SP) e Atores de Laura (RJ).

Por que, apesar disso, é difícil considerar o festival ousado? A jornalista e crítica teatral credita isso à política supostamente democrática de atender a todos os tipos de público, que o faz girar em um universo já reconhecido de artistas, sem grandes apostas ou revelações. “É um evento regido por uma lógica mais comercial”, atesta. Para o crítico carioca Daniel Schenker, essa ideia condiz mais com edições passadas do festival. “Há uma preocupação maior com a qualidade dos espetáculos. Talvez seja o caso não de trocar os curadores, mas de buscar outros em partes diversas do Brasil para que a mostra oficial se torne mais multifacetada”, defende ele.

Dos 32 espetáculos da mostra 2013, apenas oito estreias nacionais. A concentração destas, no entanto, não parece importante aos olhos de Luciana. “Creio, na verdade, que faz mais diferença diante da imprensa paulista e carioca, que tem nas estreias uma motivação para se deslocar até Curitiba”. Segundo ela, o festival já sediou estreias de espetáculos que tiveram de correr para estarem finalizados a tempo. “Não vejo o que há de positivo nisso. Uma mostra aberta ao diálogo com o público poderia ser mais interessante nesses casos”, explica.

Tendo acompanhado de perto a última década do festival, a pesquisadora e crítica teatral Soraya Belusi defende que, embora preocupado em mostrar o que de melhor foi produzido na temporada, a mostra nunca abandonou seu caráter comercial. “Seja promovendo espetáculos de apelo popular, seja pela linguagem ou pela presença de algum ator de sucesso na teledramaturgia”. Ela destaca, porém, duas peças presentes na mostra 2013 que desgarram para o experimental. “Cine Monstro 1.0, espetáculo/processo de Enrique Diaz e Marcio Abreu, e Haikai, de Nina Inoue e Roberto Alvim, trazem propostas provocativas e instigantes”, avalia a pesquisadora.

 

Paralelo

A presença do maior festival de teatro da América Latina não foi suficiente, porém, para o estabelecimento de uma crítica teatral cotidiana e especializada em nenhum dos periódicos curitibanos. “Essa ausência é uma lacuna irreparável para um evento. Pior ainda para os artistas e coletivos da capital do Estado”, afirma o professor de Estudos Teatrais da Universidade Federal do Paraná, Walter Lima Torres Neto. Segundo o especialista, a ousadia e a inquietação no festival estariam presentes não na mostra principal, mas na programação do Fringe, mostra paralela criada em 1998.

Sempre criticada pelo volume caótico de espetáculos, ela ganhou nas últimas edições minicuradorias, como a Mostra Baiana deste ano, que teve curadoria de Wagner Moura. “É fato praticamente unânime que as curadorias deram um norte ao excesso de opções”, diz a pesquisadora mineira Soraya Belusi.

Mas isso cria também um problema para as peças que não entram nas minimostras e que, segundo Soraya, ficam esquecidas pelo público mais especializado que prefere se arriscar menos. “O Fringe precisava mesmo de curadorias porque chegou um momento em que impressionava apenas pela quantidade”, coloca o crítico carioca Daniel Schenker. “As curadorias permitiram destacar focos interessantes, como a cena mineira, que vive um momento efervescente”.

Apesar da tentativa de organização com as minicuradorias, o volumoso número de espetáculos da mostra paralela a desabona, de acordo com o crítico paulista Valmir Santos. “O Fringe merece ser melhor pensado, estruturado, provocado e desenhado como se fosse — e é — o coração do evento.” Segundo Santos, isso não significa ser paternal com caravanas de todos os cantos do País ou as dezenas de ajuntamentos locais de última hora, mas sim criar condições mais rentes ao universo do teatro de pesquisa.

O professor Torres lembra que a figura do curador é oriunda do universo das artes plásticas, e que geralmente é função deste idealizar um projeto expositivo e, sobretudo, estabelecer uma lógica para o percurso do visitante dentro da exposição. “Nossa cultura e prática teatral adota, vez ou outra, o termo de curador para o trabalho de seleção. Mas há diferenças entre curadoria e seleção”, explica. Para ele, não há atualmente um espaço dentro do festival que possibilite tornar públicos os critérios e motivações da curadoria, o que torna o processo como um todo algo mais de seleção que uma curadoria de fato.

A crítica Luciana Romagnolli pensa que, além de oxigenar os nomes da programação, novos curadores talvez fossem capazes de adotar um pensamento estético que apontasse caminhos para o teatro brasileiro. “Mas creio que, mais do que uma questão de curadoria, este não é o desejo da própria coordenação do festival”, finaliza.

 

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Valor salgado

 

Em 2013, o valor dos ingressos da mostra oficial do Festival de Curitiba sofreu novo reajuste, alcançando salgados R$ 60 a inteira (R$ 30 a meia). Cerca de R$ 6 milhões de reais (80% do orçamento do evento) serão levantados pela Lei Rouanet. O jornalista e crítico teatral Valmir Santos cita festivais geridos por secretarias municipais, estaduais ou fundações de cultura, como o Festival Internacional de Teatro Palco & Rua (FIT), de Belo Horizonte, que pratica um teto três vezes menor que os R$ 60. “Todo projeto que recebe o sinal verde do Ministério da Cultura, via renúncia fiscal, tem por obrigação oferecer alguma medida de acesso, a chamada contrapartida.” Para Santos, não se deve esquecer da natureza privada do Festival de Curitiba, transparente desde a primeira edição. Porém, elevar o preço do ingresso a fim de embutir o prejuízo da meia-entrada é uma medida ingrata por parte dos empresários, afirma. “Sacrifica sempre o espectador, ou seja, o contribuinte que subsidia o marketing das empresas por meio da Lei Rouanet.”


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