Cultura
03.09.2015
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10.05.13
Nossos dândis: o primeiro
por Cassiana Lícia de Lacerda

Em 1893, chega a Curitiba a figura inaugural de nosso dandismo.

A disponibilidade financeira dos dândis: tempo para assuntos do espírito
Jean Itiberé e seu bigode handlebar
Capa de La Jeune Belgique: o lema e a colaboração de Jean Itiberé

Em 1893, chega a Curitiba a figura inaugural de nosso dandismo. Deve ter causado espécie o jovem Jean Itiberé, com seu “bigode à la Dannunzio” e pose de quem participou do movimento de La Jeune Belgique. “Soyons nous” era a divisa da revista belga, para a qual Jean traduziu simbolistas portugueses e colaborou com poemas nitidamente baudelairianos, com uma pitada esotérica.

A dicção de seus textos anuncia a obra Préludes, que a Lecomblez lançou em 1890, juntamente com Serres Chaudes, de Maurice Maeterlinck, seu colega de universidade e companheiro de grupo literário juntamente com Iwan Gilkin, Verhaeren, Rodenbach, entre outros.

Tinha apenas 20 anos o autor de Préludes quando recebeu cartas elogiosas de Leconte de Lisle, Herédia, Henri Chenier, Sully Prud’homme.

Aos 23 anos retorna ao Paraná o “Enfant des illusions d’or”, verso que funciona como uma espécie de programa-síntese de seu conceito de arte e de artista.

Após 13 anos de permanência na Bélgica, o paranaense nascido em Cerro Azul, mas de família parnanguara, retorna certamente tropeçando nos sapos que povoavam a alagadiça Praça Eufrásio Correia. Nem por isso perdeu a pose de dândi de boulevard, em sua vestimenta cuidada compondo com a indefectível bengala guarnecida de prata. Ao contrário, transformou o sapo em símbolo esotérico. Dispunha de meios suficientes para viver sem trabalhar e como bom dândi via no dinheiro nada mais do que um meio de dispor do tempo livre para enriquecer o espírito.

Já teria recebido notícias do que vinha ocorrendo na Curitiba de 1893, pouco antes da invasão dos maragatos? Em literatura, saberia que os integrantes do grupo de O Cenáculo promoviam suas reuniões no karoin de Dario Vellozo e planejavam a revista do mesmo nome, em meio a batalhas anticlericais de influência maçônica? Talvez tivesse notícia de que aqui vivia a belga Georgina Mongruel, a professora de saltério do poeta e esgrimista Dario Vellozo.

As páginas das revistas não só abrem para o poeta consagrado na Europa como abandonam o tardo romantismo em favor de um discurso influenciado por seus textos, leituras e contatos, especialmente aqueles ligados à tradição como Papus, Eliphas Lévi, Péladan.

Jean Itiberé concentrou tanta expectativa e atenção que assim foi provincianamente anunciado pela Revista Azul (1893): “Só não é francês, porque não nasceu na França. O seu verso tem o enjambement, o chic, o savoir dire da poesia francesa; é correto e leve, agradando ao ouvido e ao coração. Em sua prosa vaga a sutilidade, a finura, a graça daquele povo privilegiado. É por isso que aí fica o Jean, o artista cujo espírito educou-se sob a claridade daquele sol que dourou a fronte de Musset e de Baudelaire, de Flaubert e dos Goncourt, de Rollinat  e de Richepin; e não o João, da pátria de Gonçalves Dias e de Castro Alves, de Casimiro...”.

Reinou absoluto até a chegada de Emiliano Perneta, a desfilar para o vulgum pecus, influenciando tendências, e introduzindo definitivamente o Simbolismo entre nós. Até tentou integrar-se ao local, mesmo que só escrevesse em francês. Um espanto seu conto Ekhidna, ambientado na Serra do Mar, onde inseriu um castelo de Axel. Pior ainda sua narrativa, a única em português, A guerra da Crimeia, na qual mistura o tema insólito ao clima sertanejo, tudo isso coroado por incrível mau gosto.

E, assim, entediado, deixou Curitiba, e como João Itiberê da Cunha entrou na carreira diplomática, sobre a qual fará permanentes referências para acentuar sua inadaptação ao Brasil.

De volta ao Rio de Janeiro, depois de circular pelo mundo, João Itiberê da Cunha concentra sua atenção na música, um dos dons de família. Como Iwan d´Houac, compõe peças e, reduzido a JIC, assina uma coluna no Correio de Notícias, jornal que ajudou a fundar e para o qual levou Lima Barreto.

Nunca perdeu a pose, e ainda teve seus grandes momentos, especialmente quando o rei Alberto I da Bélgica, seu colega de liceu em Bruxelas, vai visitá-lo na Rua das Palmeiras, no Botafogo, quebrando o protocolo e o extenso programa preparado pelo governo brasileiro.

Contudo, JIC, o “estetazinho”, em um momento de vaidade e de fulminação dos nulos, ganhou um inimigo à altura de sua trajetória. Foi quando Lima Barreto resolveu desconstruir JIC criando o FLOC das Recordações do Escrivão Isaias Caminha.

Mas, quem reconhece no FLOC de Lima Barreto o dândi Jean Itiberé, que em 1893 chegou à terra das araucárias pisando nos sapos?

O Brasil é pródigo pelo que dele se desconhece.

Ser retratado com ódio pela escrita realista-autobiográfica de Lima Barreto: melhor não ter nascido. Quanto à FLOC, restou a opção do suicídio.

 

Cassiana Lícia de Lacerda é professora, pesquisadora e historiadora.


Tags: cassiana lacerda; dandi; revista ideias;



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