Cultura
03.09.2015
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05.06.13
Festas juninas
por Adriana Sydor

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Campina Grande, na Paraíba, recebe a cada estação junina 1,6 milhão de pessoas foto: andre moreira / divulgação
Braguinha, autor em parceria com Alberto Ribeiro de Capelinha de Melão, música que se tornou um clássico do repertório junino
Braguinha, autor em parceria com Alberto Ribeiro de Capelinha de Melão, música que se tornou um clássico do repertório junino
Em 1935, Carmen Miranda gravou Sonho de Papel, música de Alberto Ribeiro que até hoje é repetida de Norte a Sul do País: “E um balão vai subindo Vem caindo a garoa O céu é tão lindo E a noite é tão boa São João, São João Acende a fogueira No meu coração”

A origem dos festejos de junho no Brasil já foi explicada umas cem mil vezes. Todo o tipo de contação de histórias já explorou o tema: teses acadêmicas, literatura histórica, songbooks, livros de culinária...

Historiadores apontam as festividades de meio de ano como coisa trazida pelos portugueses no período colonial. Quando se dedicam a escavar a história por lá, citam influência francesa nas danças marcadas, influência chinesa nos fogos de artifício. E quando continuam a pesquisa, viajam no tempo para mil e poucos anos antes de Cristo e se encontram com celtas, bascos, sumérios, egípcios que se aproveitavam do solstício de verão (marcado como 24 de junho) para festejar a fertilidade da terra e a colheita farta, além de um pedidozinho ou outro por bênção, chuva ou qualquer outra necessidade mundana. Alguns pesquisadores também já contaram que lá na Antiguidade havia o culto à deusa Juno, que acontecia, claro, por essa época do ano. Oferendas, músicas e fogueiras também eram ponto comum.

Sem poder para competir com a milenar festa pagã, a Igreja Católica aproveitou a data de nascimento de São João e passou a promover, dentro de seus preceitos, comemorações formalmente adaptadas ao seu calendário.

No Brasil, os jesuítas trataram de espalhar a cultura católica também em forma de festa. Pois em junho, fogueiras, rezas e comidas se encontraram com festejos indígenas que aconteciam no mesmo período.

E foi naquela época, início dos mil e seiscentos, que a festa começou por aqui. E até hoje está a rolar e se desenvolver e misturar e modificar, em cada região de um jeito, com um tipo de comida, de dança e, claro!, de trilha sonora.

Hoje, apesar das variações da festa, da descaracterização original e da inexplicável confusão de espaços, tempos, estilos, gêneros (o vale-tudo que virou a música popular, onde é possível temáticas que se dizem sertanejas em concertos de rock, coisas chamadas axé-music em festivais de jazz, músicas de igreja em bailes de carnaval e por aí vai), algumas músicas estão completamente inseridas no repertório junino, de Norte a Sul do País.

João de Barro, o Braguinha, em parceria com Alberto Ribeiro, escreveu, para que Emilinha Borba cantasse em 1949, Capelinha de Melão. Pra quem não sabe, não lembra ou não viu, capelinha-de-melão era um tipo de apresentação que reunia teatro, dança e canto na noite de São João. Moças vestidas especialmente para ocasião e com a cabeça enfeitada por uma capelinha de flores de melão-de-são-caetano misturavam trejeitos à dança e à música que invariavelmente acabava com a mesma estrofe: “Capelinha de melão / é de São João / é de cravo, é de rosa / é de manjericão”, e foi esse o ponto de partida para Braguinha tratar definitivamente do tema.

Outro rei das músicas que se misturam ao cancioneiro popular, Lamartine Babo lançou, nas vozes de Carmen Miranda e Mário Reis, em 1934, como marchinha de carnaval, Isto É Lá com Santo Antônio. A música, que narra o divertido caminho de pessoa interessada em matrimônio, que de santo em santo procura o milagreiro para lhe tirar da solteirice, atravessou fevereiro, passou pelos meses seguintes e se instalou em junho e até hoje embala as coreografias juninas. “São João não me atendendo / A São Pedro fui correndo / Nos portões do paraíso / Disse o velho num sorriso: / Minha gente, eu sou chaveiro! / Nunca fui casamenteiro! / São João não me atendendo / A São Pedro fui correndo / Nos portões do paraíso / Matrimônio! Matrimônio! / Isto é lá com Santo Antônio.”

No litoral do Paraná, junho também é mês para tratar de fandango. A cultura caiçara, ao mesmo tempo em que força reafirmação, naturalmente se alimenta dela. Antes, quando era possível plantar e colher na ilha do Superagui, por exemplo, havia todo tipo de composição: para dança, para plantio, para colheita, para transporte... Hoje, tudo virou um grande baile e em junho, como no carnaval, no final do ano, nas festas de padroeira e em toda efeméride que pede música e dança, rabeca, viola e adufe entram em cena. Esse cenário se repete em outras localidades do nosso litoral.

O Nordeste brasileiro tem grande tradição no assunto. Cidades investem grana pesada para promover as festividades de meio de ano e garantir homenagens aos santos católicos. São João, São Pedro e Santo Antônio ganham imensos espetáculos, que reúnem muita gente, gente de palco e de plateia. Campina Grande, na Paraíba, e Caruaru, em Pernambuco, atraem por temporada quase 3 milhões de pessoas para assistir e participar de seus eventos. E por lá, não somente nessas cidades, músicas se tornaram clássicos do assunto e ganharam o País. O que serviu para abrir e diversificar o mercado fonográfico, também ganhou a missão de difundir a cultura nordestina, a vida sertaneja, a maneira de ser e viver de um pedaço do Brasil que não estava na tevê. O movimento fez possível dançar um forró em qualquer lugar do País como se se estivesse na sala de reboco do Mestre Lua. “Todo tempo quanto houver pra mim é pouco / Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco / Enquanto o fole tá tocando, tá gemendo / Vou dançando e vou dizendo meu sofrer pra ela só / E ninguém nota que eu estou lhe conversando / E nosso amor vai aumentando pra coisa mais melhor.” (Numa Sala de Reboco, Luiz Gonzaga e José Marcolino.)

Também é de Luiz Gonzaga outro grande momento junino: Olha pro Céu ultrapassou rapidamente o status de componente do repertório do autor e se estabeleceu nos braços do povo que desde então comemora a época de balões multicoloridos e das fogueiras entoando os versos definitivos. A composição é de 1951 e José Fernandes assina parceria: “Olha pro céu, meu amor / Vê como ele está lindo / Olha praquele balão multicor / Como no céu vai sumindo.”

E em Curitiba? Por aqui, igrejas e escolas, clubes e sindicatos, universidades e empresas gostam de promover festa junina. As comidinhas tradicionais ganham reforço do pinhão, do quentão e de mais uma ou outra particularidade local. É comum nos dias de hoje, depois de um tempo sem se comentar sobre, a evocação de Nhô Belarmino e Nhá Gabriela. O primeiro caipira paranaense a alcançar sucesso que ecoou por outras terras foi o inventado por Salvador Graciano. Um misto de palhaço e figura ingênua, Belarmino espalhou por muitos cantos o clima das festas da metade do ano em outras épocas e estações. O jeito de falar, a temática, as roupas faziam de cada show uma eterna festa junina. E hoje, em muitos lugares, mocinhas e mocinhos da cidade dançam de braços dados os versos de Salvador. “As mocinhas da cidade, são bonita e dançam bem / Dancei uma vez com uma moreninha, já fiquei querendo bem.” (As Mocinhas da Cidade)

Não importa o tamanho da quermesse, não interessa a crença do caipira, a beleza da sinhazinha, a ardência da fogueira, o objetivo da simpatia ou o gosto da receita, no mês de junho todo o território nacional é um grande pátio a servir de endereço para o universo de possibilidades que a festa sugere. Só não convém confundir a expressão “quadrilha” e nem se distrair com a qualidade da música – hoje em dia tem muita gente que diz ser o que não é e que acredita em tudo que ouve e vê.


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