Cultura
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
12.07.13
Teresa, a coerência de uma resistente inflexível
por Aroldo Murá G. Haygert

O que posso garantir que Teresa Urban continuava a mesma combatente dos tempos da ditadura - contestadora, inquieta e crítica até a medula.

Foto: Nego Miranda

Por dois anos eu tive uma convivência quase que diária com Teresa Urban, em 1977 e 1978, no semanário Voz do Paraná, que dirigi. O jornal, de orientação católica, então parte de um empreendimento gráfico-editorial comandado pelo médico Roaldo Koehler, reuniu um time respeitável, de que faziam parte nomes como Celso Ferreira do Nascimento, e com a colaboração constante de outros jornalistas como Luiz Manfredini, Ruth Bolognese, Szyja Ber Lorber, Dante Mendonça, José Alberto Dietrich Filho, Maí Nascimento Mendonça, Benedito Pires…

Faz poucos anos, talvez três ou quatro, que Teresa, em ampla entrevista à Gazeta do Povo (os milagres das pesquisas eletrônicas facilitam a vida de quem quiser aprofundar o assunto), citou-me, como já fizera em ocasiões anteriores, como a pessoa que lhe abrira as primeiras portas na sua fase pós prisões políticas.

Teresa foi justa, pois eu nunca deixei de apoiar valores humanos e de boas qualidades profissionais. As ideologias diferentes das minhas nunca me separaram de seres humanos competentes em busca de trabalho. Nem me intimidei diante de ameaças por apoiar “subversivos” em seus direitos humanos. Fiz apenas justiça a Teresa Urban (que então ainda se assinava Furtado).

Aqueles eram dias, lembrou, em que, livre, enfim, depois de cumprir sua derradeira prisão (esta em convento, graça a interferência do então arcebispo dom Pedro Fedalto), os conhecidos mudavam de calçada, ao encontrá-la. Fingiam não vê-la, com medo de se comprometer com as autoridades repressoras políticas.

Disse que fui eu quem lhe abriu as portas primeiras de um jornal, sem questionar-lhe politicamente.

Depois, foi para o Estadão, Veja, dirigiu a Folha de Londrina. Virou personagem nacional pelas batalhas centradas na defesa do meio ambiente, ora como representante de organizações não governamentais, ora como escritora, ou como consultora de organismos internacionais, sobre ecologia. Marcou-se muito como jornalista e pesquisadora que foi capaz, ao lado do irmão, o fotógrafo João Urban, de fazer um impressionante levantamento sobre a herança polonesa sobrevivente em colônias agrícolas da região Sul. O trabalho é paradigmático, está no livro Tui i Tam (lá e cá). Presta um imenso serviço à etnografia ao recolher essa realidade desconhecida da maioria dos paranaenses.

Teresa tinha a inegável capacidade de briga do povo polaco, o ar altivo daqueles eslavos dos quais tinha toda a sua herança genética. E de quem muito se orgulhava.

Em 2004, depois de um longo distanciamento, fruto das loucuras da vida atribulada, nos reencontramos. Foi na casa da Rua Brigadeiro Franco, ao lado da igreja Ortodoxa São Jorge, em que ela e os irmãos se criaram com os pais, seu Estanislau e dona Janina.

A casa deu lugar agora a um espigão.

Do reencontro resultou a entrevista que fiz para a revista Ideias, sugestão de Fábio Campana. O título não poderia ser mais eloquente: “Teresa Urban, a caçadora de florestas no paraíso perdido”. Data: agosto de 2004.

O material  foi reaproveitado em 2008, na íntegra, no perfil de Teresa, publicado no volume 1 da coleção Vozes do Paraná.

Muitos aspectos da vida e pensamento de Teresa me chamaram atenção naquela tarde de inverno em que conversamos longamente na cozinha da casa, aquecidos pelo fogão a lenha. Um deles, o de que Teresa, defensora do meio ambiente, continuava pouco ligando para os males do fumo, consumindo um cigarro atrás do outro. O que pode ter contribuído para apressar sua morte, quarta (26/06), de infarto do miocárdio.

Da mãe, que muito bem conheci, dona Janina, uma alma caridosa dedicada aos pobres absolutos, ela herdou o interesse pelos desvalidos. Não tinha a doçura de dona Janina, mas sua prática em ações generosas não deixava dúvidas de que era uma alma rara. Um dos exemplos era o carinho como tratava o menino, 12 anos, afilhado de origem humilde que abrigara em casa e a quem estava criando como filho.

Daquele amplo diálogo retomado, cheguei a uma conclusão: Teresa Urban continuava a mesma jovem que conheci nos anos 70s, aparentemente dura nas análises e nas críticas àqueles que mereciam suas avaliações pesadas.

Teresa não fazia mesuras, nem explicitava agradecimentos diretos. A mim, por exemplo, nunca agradeceu eventuais apoios dados. Nem precisava. Mas sempre o fez por meio de terceiros, públicos, em entrevistas na imprensa ou depondo, recentemente, para uma mestranda de Jornalismo, que veio me repassar as palavras cheias de calor humano com que Teresa me contemplara ao depor a ela sobre sua carreira.

O que posso garantir que Teresa Urban continuava a mesma combatente dos tempos da ditadura – contestadora, inquieta, altruísta, comunitária, educadora, persuasiva, crítica até a medula. Só que agora, com novos e mais fortes decibéis, sua prática toda voltava-se à defesa do meio ambiente, ao mundo verde, em busca de um presente e um futuro sustentáveis.

Nos seus muitos enfrentamentos ambientalistas, por exemplo, não poupava ícones da política brasileira, que ela citava como “equivocados na defesa do meio ambiente”.  Em suas contestações a realidades de nosso entorno ambiental, um dos alvos preferidos era contestar a instalação de indústrias automobilísticas em São José dos Pinhais. A Renault aparecia insistentemente entre as críticas que anotei naquela tarde, por ter, segundo ela, rompido flagrantemente com o curso de um rio para implantar sua fábrica.

A Teresa combatente, de armas em punho contra o Apocalipse Ambiental, me confessou naquele 2004: às vezes ainda tinha pesadelos. Um dos mais recorrentes era protagonizado por um de seus torturadores, que ameaçava “arrebentar a moleira do Gunther”, seu filho então bebê. Ao despertar, voltava à realidade (Gunther hoje é homem feito). Mas os medos apenas se transferiram para a realidade do cataclismo ambiental, contra o qual foi combatente até o fim.


Tags:



TAMBÉM NOS ENCONTRAMOS AQUI: