Cultura
03.09.2015
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03.09.2015
02.09.13
Ideias 142: Música Erudita
por Da redação

Beethoven, Kurt Masur e José Carreras


Beethoven, por Masur

Nelson Schwartz

“A primeira coisa que vocês precisam ter em mente é que Beethoven, no início de cada uma de suas sinfonias, quis surpreender”, diz Kurt Masur. E começa a cantarolar cada um desses momentos iniciais.

Seus quase dois metros e o olhar sisudo assustam, assim como os 60 anos de carreira que carrega em cada levantar de braço frente a orquestra. “Eu não estou bravo”, diz ele aos músicos, que agora ele mesmo rege. “Eu gosto de ensaiar, não me incomodo em repetir, é assim mesmo.” Todos se acalmam, mesmo que seja só um pouco.

Músicos de orquestra em todo o mundo contam que Masur é um mestre cuidadoso. Há quem diga que o trabalho todo do maestro se dá no ensaio – que, no concerto, tudo que precisava ser acertado, já foi discutido. Não com Masur. Quem já o viu regendo sabe que ele chama atenção dos músicos mesmo durante o concerto – e é estimulante ver uma orquestra mudando completamente de direção durante uma apresentação por conta de um olhar ou gesto do maestro.

Masur interrompe a orquestra a todo instante; pede uma sonoridade específica aos violinos, faz o mesmo com os violoncelos, discute com a flauta os acentos em determinada passagem. O olhar dos jovens estudantes revela muito. A cada interrupção do maestro, o sorriso vai dando lugar a um riso nervoso e, logo, a caras apreensivas.

Mas o maestro sabe, ao mesmo tempo, provocar e tranquilizar. Um professor certa vez disse a um jovem Masur que tomasse cuidado com os sorrisos que dirigia à orquestra – os músicos perdem respeito por um regente muito facilmente, disse. Hoje, seria difícil que isso acontecesse. E os sorrisos transbordam com a mesma intensidade que as pequenas broncas e sugestões.

E elas são muitas, pontuais. Mas, ao mesmo tempo, há uma ideia muito clara por trás de seus pedidos ao músico. A música de Beethoven tem uma intensidade, uma dramaticidade inerentes, uma forte tensão interna mesmo. É papel do músico manter esse clima, essa energia durante a apresentação.

 

O mito e o kitsch

Vito Ferrara

O tenor espanhol José Carreras é uma das vozes mais belas da segunda metade do século 20, representante daquele punhado raro de artistas líricos cuja fama extravasa o mundo da ópera. Carreras surgiu no cenário nos anos 70. Foi logo adotado pelo maestro Herbert Von Karajan – o belo timbre, a técnica refinada, um canto que saboreava cada palavra de personagens como o jovem apaixonado Rodolfo, de La Bohème, um de seus primeiros grandes papéis: enquanto Luciano Pavarotti e Plácido Domingo disputavam o posto de maior tenor da época, Carreras corria por fora. Até que, no fim dos anos 80, foi diagnosticado com leucemia, iniciando uma longa luta contra a doença. Saiu vitorioso e, o destino faz dessas coisas, voltou à cena ao lado justamente de Pavarotti e Domingo, iniciando, em 1990, a série de concertos dos Três Tenores, franquia mais bem-sucedida da história da ópera

Quase 20 anos depois do surgimento da série, porém, cabe a pergunta: será que se criou um novo público para a ópera ou, na verdade, se criou um novo gênero, uma mistura de música popular e ópera, com estilos e interpretações próprias emprestadas de uma para a outra, gerando filhotes como Sarah Brightman, Andrea Boccelli, Charlotte Church?

O próprio Carreras, hoje, sobrevive à luz dessa mistura. Longe da ópera, o repertório é um mosaico de canções italianas, catalãs, operetas austríacas e espanholas, as chamadas zarzuelas. Individualmente, cada uma delas tem seu encanto: Marechiare, Era de Maggio, Musica Proibita, Chitarra Romana, Granada. Em conjunto, no entanto, formam um programa que esbarra no kitsch, com arranjos sinfônicos bonitos, sim, mas que matam a espontaneidade de sentimentos que, afinal, está na gênese de sua criação.

Carreras, não há dúvida, é um grande artista. Extrai o máximo dessas canções, constrói momentos dramáticos interessantes onde é possível fazê-lo. O belo timbre ainda aparece e é notável a maneira como consegue preservar contrastes na voz, que, se perdeu o brilho nas notas mais agudas, ganhou força nos graves.

A pergunta permanece. O que vale mais: o mito ou o homem? É bem provável que a resposta esteja em algum lugar no meio do caminho, o que a gente chama de realidade. Ou na escolha da emoção – lágrimas, afinal, podem surgir da mais profunda satisfação; ou da melancolia mais nostálgica.


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