Cultura
03.09.2015
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03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
10.10.13
Ideias 144: Cinema
por Dico Kremer

Cinco dedos, filme de 1952 estrelado por James Mason (Ulysses Diello) e Danielle Darrieux (Condessa Staviska). 


Se tivesse feito um só filme em toda a sua relativamente pequena filmografia, Joseph L. Mankiewicz (1909-1993) poderia dar-se por satisfeito em ter escrito o roteiro e dirigido All About Eve (com o cretiníssimo título em brasileiro A Malvada). Não é um roteiro original, foi baseado no livro The Wisdom of Eve, de Mary Orr. É um marco na história do cinema. Mas Mankiewicz realizou outros ótimos filmes: Julio Cesar, Sudddenly, Last Summer e Five Fingers (Cinco Dedos).

Uma surpresa foi Cinco Dedos, filme de 1952 estrelado por James Mason (Ulysses Diello) e Danielle Darrieux (Condessa Staviska). O roteiro, assinado pelo diretor e por Michael Wilson, é baseado em um livro de Ludwig Carl Moyzisch, Der Fall Cicero (The Story of Operation Cicero em inglês), publicado em 1950. O livro conta uma história verídica. A Turquia, neutra na Segunda Guerra mundial, tinha todas as representações diplomáticas dos envolvidos na guerra em sua capital, Ancara. Lá se encontravam em recepções os embaixadores da Inglaterra, da Alemanha, do Japão entre outros. Não ao mesmo tempo; quando um inimigo ia chegar o outro retirava-se discretamente com sua equipe. O camareiro do embaixador inglês, um albanês de nascimento chamado Elyesa Bazna (Ulysses Diello no filme), de codinome Cicero, trabalhava para os alemães em 1943-1944. Os documentos ultrassecretos do cofre de Sir Hughe Montgomery Knatchbull-Hugessen eram fotografados por Cicero e passados para o adido militar da embaixada alemã, cujo embaixador era o conde Franz von Papen, L.C.Moyzisch.

Não conheço o livro de Moyzisch mas a adaptação foi feita para o cinema, isto é, tendo em vista um bom e inteligente entretenimento. Além da fotografia impecável, da direção de atores, da eficiência dos mesmos, da trilha sonora, o que mais chama a atenção são os diálogos. Poucas vezes ouvi diálogos mais competentes e engraçados.

No começo do filme, durante uma recepção, uma cantora esgoela-se com As Walquírias de Wagner. Em pé, um ao lado do outro, Von Papen, embaixador alemão e o embaixador japonês. Este diz que vai se retirar pois está com dor de cabeça. Von Papen diz que também está. O japonês pergunta: “Por ter ficado muito em pé?” “Não, responde Von Papen, ouvir muito Wagner me deixa irritado.” O japonês: “Espero que o seu país o aprecie bastante pois foi o único alemão surpreendente que encontrei”.

Em outra cena a condessa polonesa Staviska, viúva, cujo marido era antinazista, reclama com Von Papen que suas terras tinham sido confiscadas, e pergunta-lhe quem tinha ficado com elas. Resposta: “Göring.” Então a condessa diz que Göring era o único mandatário que ela nunca havia convidado para a caça de porcos bravos em sua propriedade pois, segundo ela, pareceria um infeliz convite para uma briga de irmão contra irmão.

Quando Moyzisch, desconfiado de que o primeiro rolo com as fotografias dos documentos secretos da embaixada inglesa não contivesse o que espera, coloca o dinheiro em um cofre para dá-lo a Cicero depois de ter revelado o filme. Este fica na sala com o cofre na parede a espera. Vê um busto de Hitler. Quando Moyzisch volta e abre o cofre para entregar o dinheiro, este já está nas mãos de Cicero. Estupefato, pergunta como abriu o cofre. Cicero: “30-1-33, data de chegada de Hitler ao poder abre metade dos cofres das embaixadas alemãs. A outra metade é aberta com os números da data do aniversário do Führer”.

A definição de espião que Cicero dá a Moyzisch é digna do que Joseph Conrad escreveu sobre a mente dos espiões em The Secred Agent.

Não resisto e descrevo mais uma cena: o coronel von Richter, desconfiado das informações fornecidas por Cicero, parte de Berlim para Ancara disfarçado de comerciante suíço de tabaco. Quando em uma recepção vai despedir-se da condessa Staviska, curva-se para beijar-lhe a mão e bate com os calcanhares. A condessa: “Que charmosa essa batida de calcanhares. É um costume suíço?”

Uma frase do contraespião vindo da Inglaterra, depois de decifrado o código nazista que mostra que há gato na tuba na embaixada inglesa da Turquia, sobre a sua profissão a ilustra muito bem: “A contraespionagem é a mais alta forma de fofoca (gossip)”.

O filme é um espetáculo de diálogos e interpretações. Moyzisch é um pouco caricato e os alemães não são as bestas feras dos filmes de guerra. É filme inteligente que se assiste com imenso prazer.

E o fim do filme é de uma hilariedade surreal e, ao mesmo tempo, mórbida. Para nós, brasileiros, tem um sabor especial.

Nota: gosto de checar informações. No Google, não muito confiável, o nome de Ludwig Carl Moyzisch está em vermelho (Wikipedia), não havendo informação sobre ele a não ser em relação a esse filme. Na Amazon aparece o seu livro para a venda. Nas Enciclopédias Britânicas que tenho, nada, nem a de 1963 ou a de 1985. Nem nos dicionários biográficos Cambridge e Chambers. Nem na Larousse du XX e Siècle.

Mas encontrei um artigo no site da CIA (Central Intelligence Agency) chamado Footnote to Cicero de autoria de Dorothy J. Heatts. Quem tiver interesse na história aqui está a dica. O filme se encontra para locação nas casas de vídeo.

Cinco Dedos, Joseph L. Mankiewicz, 1952


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