Cultura
03.09.2015
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03.09.2015
10.10.13
A Arca que carrega bichos, lições e bom gosto
por Adriana Sydor

Outubro é mês de Vinicius de Moraes e é também mês das crianças. É tempo de revisitar a Arca de Noé.

Vinicius de Moraes – referência, também, para o público infantil
Imagem do programa de lançamento do disco, levado ao ar pela TV Globo
Toquinho e Vinicius – parceiros na Arca
Repertório da primeira Arca de Vinicius – nomes consagrados e alguns estreantes
O paranaense Paulo Soledade, primeiro compositor a musicar os poemas infantis de Vinicius
L’Arca, o disco italiano, de 1972
Marie Louise Nery, em foto de 2011 - ela ilustrou, em 1970, a primeira edição do livro Arca de Noé
Elifas Andreato, o criador das capas dos álbuns Arca de Noé 1 e 2

Vinicius se atirou no universo infantil pela primeira vez em 1950, quando alguns de seus poemas com essa temática, e feitos para seus filhos, ganharam melodias. O paranaense Paulo Soledade tratou de musicar São Francisco, que teve gravação de Silvio Caldas. O caso é que Rubem Braga ouviu, gostou e convenceu, mesmo à revelia do Poetinha, o músico a continuar com o trabalho em outros poemas. E a partir da conversa, que rolou em um almoço na casa de Silvio, Paulo Soledade musicou também O Relógio, O Peru, A Formiga, A Cachorrinha e O Pato, esta uma das mais famosas da coleção: “Lá vem o Pato /
Pata aqui, pata acolá
/ Lá vem o Pato /
Para ver o que é que há / O Pato pateta
Pintou o caneco /
Surrou a galinha
/ Bateu no marreco /
Pulou do poleiro /
No pé do cavalo
/ Levou um coice
/ Criou um galo...”.

Apesar de a produção ser vasta e contínua, as cortinas populares ainda estavam fechadas para os poemas infantis musicados. Foi o mercado editorial quem primeiro se dedicou à revelação dessa personalidade do Poeta, tão diferente do que o público conhecia. A Editora Sabiá lançou em 1970 A Arca de Noé – Poemas Infantis de Vinicius de Moraes. A publicação, com ilustrações da suíça Marie Louise Nery, teve 20 temas, incluindo os já musicados por Soledade, e revelou que o poeta do amor e dos sonetos podia, livre das métricas, dar uma voltinha pelo jardim da infância com o mesmo talento para comoção e comunicação – o livro foi um sucesso e teve várias reedições. Em 1998, quando a Cia. das Letras fez novo lançamento, a obra engordou: 32 poemas infantis.

Com a chegada de Toquinho à vida artística de Vinicius de Moraes a produção do Poeta cresceu em turnês, composições e discos. E esse fôlego também passeou pelas criações infantis. Toquinho fez música para outros poemas da fauna de Vinicius e antes que a A Arca de Noé chegasse ao Brasil, ela navegou pelas águas italianas. Em 1972, Sérgio Bardotti produziu o disco L’Arca – Canzoni per Bambini, di Vinicius de Moraes, o modelo é o que conhecemos na versão brasileira: artistas respeitados na cena italiana emprestaram interpretação às canções. Os arranjos ficaram por conta do argentino Luis Enríquez Bacalov. Vinicius participou das gravações, dando voz a cinco faixas, entre elas, La Casa, em que dividiu interpretação com Sergio Endrigo, Ricchi e Poveri e o coro infantil The Plagues: “Era una casa molto carina / Senza soffitto senza cucina / Non si poteva entrarcdi dentro / Perchè non c’era il pavimento / Non si poteva andare a letto / Perchè in quella casa non c’era il tetto / Non si poteva fare la pipì / Perchè non c’era vasino lì…”. A assinatura da melodia também é de Vinicius.

O disco fez sucesso na Itália e é fácil encontrar áudio e vídeo em canais como o Youtube. A audição é um outro tipo de experiência a respeito dessa coleção...

Só depois de oito anos é que o Brasil conheceu a Arca de Vinicius. Ele não chegou a ver o disco gravado e morreu em meio ao processo de traduções, escolha e palpites de intérpretes. Essa foi a última produção do Poetinha.

Para o mercado fonográfico brasileiro foram lançados dois álbuns. O primeiro, em 10 de outubro de 1980 (três meses depois da despedida definitiva de Vinicius), numa jogada admirável de marketing, que associou o lançamento ao especial produzido pela Globo. Um time da linha de frente da MPB se dedicou ao repertório infantil com graça, humor e muito talento. Os arranjos de Rogério Duprat, as ilustrações de Elifas Andreato, a produção de Fernando Faro, músicos que vão de Amilson Godoy a Marçal, de Arthur Maia a Mutinho, e intérpretes como Elis Regina, Milton Nascimento, Boca Livre, Ney Matogrosso, Paulinho da Viola garantiram a qualidade para manter o alto nível de obra tão impecavelmente escrita, que não subestima o ouvinte mirim a tratar temas variados com inteligência e simplicidade.

O segundo volume, apesar de pronto logo em seguida do lançamento do primeiro, chegou ao mercado somente um ano depois.

O sucesso das Arcas de Vinicius não precisa ser reconhecido pelo número de tiragem, o fato de os álbuns percorrerem até hoje prateleiras de lojas, salas de aula e estarem na ponta da língua das crianças conta mais que a impressionante quantidade de 3 milhões de cópias vendidas.

Vinicius de Moraes, o Poeta da Paixão, criou a obra de referência para os pequenos ouvintes e os grandes apreciadores da boa música! Vinicius de Moraes, o Poetinha, tratou de maneira grandiosa a realidade infantil e os sonhos adultos! Vinicius de Moraes, o Poeta e diplomata, ensinou a valiosa lição de qualidade para todos os públicos – ai de quem tem tudo isso à mão e não aproveita!

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Há na MPB outros grandes nomes que também fizeram passeios e visitas ao universo infantil:

 

• Braguinha é o autor de imensa obra para crianças. As coleções do autor fazem parte do cancioneiro dos pequenos há décadas. Não há criança, de 8 a 80, que não saiba cantarolar “Pela estrada afora / Eu vou bem sozinha / Levar esses doces para vovozinha...” ou “Eu sou o pirata da perna de pau / Do olho de vidro / Da cara de mau”.

• Toquinho, em voo solo, cercado de grandes parceiros, também tem obra vasta nessa vertente, como, por exemplo, Casa de Brinquedos, de onde vem a composição assinada em parceria com Mutinho, O Caderno: “Sou eu que vou seguir você / Do primeiro rabisco
/ Até o be-a-bá /
Em todos os desenhos
/ Coloridos vou estar /
A casa, a montanha
/ Duas nuvens no céu
/ E um sol a sorrir no papel...”

• Chico Buarque tem em seu currículo a tradução e adaptação d’Os Saltimbancos. Na peça, o humor da História de Uma Gata: “Nós, gatos, já nascemos pobres
/ Porém, já nascemos livres
/ Senhor, senhora ou senhorio
/ Felino, não reconhecerás…”

• Gilberto Gil é dono do clássico Sítio do Pica-Pau Amarelo: “Marmelada de banana, bananada de goiaba /
Goiabada de marmelo
/ Sítio do Pica-Pau amarelo...”

• Luiz Tatit e Sandra Peres desenvolveram o Palavra Cantada, novas canções para a garotada, na lista, Sopa do Neném: “O que que tem na sopa do neném?
/ Será que tem espinafre? /
Será que tem tomate?
/ Será que tem feijão? /
Será que tem agrião?”

• Adriana Calcanhotto criou o que ela mesma define como heterônimo, Adriana Partimpim, para se comunicar com as crianças. No álbum de estreia, ela canta Oito Anos, de Dunga e Paula Toller: “Por que você é flamengo /
E meu pai botafogo?
/ O que significa
“impávido colosso”? / Por que os ossos doem
/ Enquanto a gente dorme? /
Por que os dentes caem?
/ Por onde os filhos saem?…”


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