Economia
03.09.2015
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09.07.12
Biscoito fino da cidade
por Maria Luiza Mercuri

Movimentação de iniciativas diversas atrai os olhares e os investimentos da cidade para o Centro

O reavivamento do Centro apresenta boas oportunidades para o comércio, já que ali moram mais de 37 mil habitantes
As obras de revitalização do “Novo Centro” começaram na Riachuelo e devem seguir pela Rua São Francisco
O projeto para a Rua Voluntários da Pátria, por exemplo, liga a Praça Osório à Praça Rui Barbosa e vai dar preferência quase exclusiva para pedestres

O Centro da cidade é onde tudo se mistura. Democraticamente movimentado, culturalmente heterogêneo, o Centro é compartilhado por gente de todas as partes. Ali o comércio mais popular coabita com hotéis de luxo, grandes empresas e bancos. É o bairro mais rico de Curitiba, onde acontece o maior volume de negócios da cidade e onde estão os endereços de cultura mais significativos da capital. Todo cidadão, em algum momento, usufrui de seu espaço e seus serviços.

Toda essa rica mistura tem como cenário uma grande diversidade arquitetônica. Abrangendo a área que vai do Passeio Público até a Avenida Sete de Setembro e da Rua Ubaldino do Amaral até a Desembargador Motta, o Centro concentra vários tempos da cidade em um mesmo espaço. Exemplares de épocas distintas enriquecem a paisagem e fazem da região uma vitrine de tudo que existe na cidade em termos de arquitetura. Desde o colonial da Casa Romário Martins, do final do século XVIII, passando por construções ecléticas do começo do século, pelo Paço Municipal, de 1916, em estilo art-noveau, por prédios art-déco e pelas mais representativas manifestações da arquitetura moderna da cidade, como o Teatro Guaíra e a Reitoria além de tantos outros prédios dispostos pela região. O Centro constitui com riqueza na diversidade de público e paisagem.

Entretanto, a região que abrigou, nas décadas de 60 e 70, os endereços mais desejados de habitação e comércio, passou por uma longa fase de declínio, efeito do próprio planejamento urbano. Em 1965, Curitiba optou pela criação dos grandes eixos de circulação, transporte e adensamento, resposta à necessidade de descentralização da cidade. Para isso foi necessário desincentivar uma série de atividades no Centro e, em consequência desse processo, os empreendimentos imobiliários mais interessantes começaram a migrar para outras áreas da cidade.

As construções que se instalaram nesses novos destinos atenderam o novo estilo de vida que vinha surgindo e atraíram a população com maior poder aquisitivo da cidade. Restaram no centro prédios mais antigos e moradores de menor renda e com maior dificuldade de investir na reforma desses imóveis, em sua maioria aposentados e estudantes.

Como em muitas cidades do mundo, Curitiba assistiu, nas últimas décadas, a sua área central se desvalorizar como espaço de moradia e como endereço para novos negócios. O crescimento da cidade, com mais migrantes em suas periferias, se percebe no Centro onde se passou a ver, cada vez mais, estranhos frequentadores, gente de todas as classes, modos e figurinos. O Centro tem espaço para todos, mas isso a nem todos agrada. É o cenário do encontro às vezes difícil entre os ocupadíssimos e os desocupados, pedintes, empresários, desempregados, funcionários públicos, artistas. Para os curitibanos mais afluentes, um lugar aonde se vai quando é preciso, mas de onde se volta assim que possível.

Seja qual for o motivo, o fato é que por algum tempo, muitos passaram a evitar se instalar nessa área, que acabou ficando cada vez mais abandonada. À noite desabitado, o Centro fica entregue ao azar, assim como uma casa vazia.

Nos últimos anos, um movimento contrário se apresenta na região com a entrada de uma série de investimentos imobiliários, de novas incorporações, com uma mentalidade diferente, que enxerga no centro um potencial interessante. O visível aumento na oferta imobiliária, sobretudo no que se diz respeito à habitação, deixa claro que a região central está em fase de renascimento. O público visado para as novas moradias concentra-se em estudantes, casais sem filhos, solteiros e idosos, além de pessoas que buscam a facilidade de morar na região onde se pode fazer tudo a pé, usufruindo da variedade de serviços oferecidos, bem como os melhores equipamentos culturais da cidade.  Um novo cenário estimulado pelo incentivo para habitação que parte da Prefeitura. A diversificação do público que habita e convive no centro tende a diversificar também o comércio trazendo novos investidores e valorizando toda a região.

O marco deste renascimento talvez tenha sido a restauração do Paço da Liberdade.  Fruto de uma iniciativa conjunta da Prefeitura Municipal com a Fecomércio e o SESC, o espaço que representa o único monumento do Paraná tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) movimentou o comércio no seu entorno e trouxe mais segurança para a vizinhança, que estava bastante decadente antes da reforma. Entregue em 2009, a obra foi a primeira grande revitalização realizada na área da cultura no Centro de Curitiba neste movimento recente.

Para a Prefeitura, a ideia da revitalização do Centro é tornar a região mais segura e melhor explorar seu potencial como polo cultural, já que concentra os pontos mais significativos de cultura da cidade, tais como os museus, a Biblioteca Pública do Paraná, a Universidade Federal, o Teatro Guaíra, a Capela do Santa Maria, o Conservatório de Música Popular Brasileira, entre outros.

Novo Centro

De acordo com o arquiteto do IPPUC, Mauro Magnabosco, há quatro anos a Prefeitura criou o programa “Novo Centro”, onde foram mapeados os projetos de investimentos para a revitalização da área central contemplando quatro temas: acessibilidade, iluminação, segurança e incentivo à habitação. O projeto envolve a área do entorno do Paço Municipal, composta pelas ruas Riachuelo e São Francisco até o Passeio Público, a Rua Barão do Rio Branco até a Praça Eufrásio Correa, o entorno do Terminal Guadalupe, a área entre a Praça Rui Barbosa e a Praça Osório e o eixo da Saldanha Marinho, além de outras vias.

O arquiteto reconhece a falta de segurança, sobretudo depois do horário comercial, como um dos fatores que mais repelem as pessoas do Centro. “Até as 19h está tudo funcionando, depois todo mundo fecha o seu comércio, vai embora e o centro fica abandonado. Nesse sentido o lugar assusta as pessoas”, afirma. Do ponto de vista do planejamento urbanístico, mais iluminação pode aumentar a segurança local, mas, acima de tudo, a criação de atrativos que tragam mais moradores para essa região pode, de fato, torná-la mais segura.

De maneira geral, sobre a questão da acessibilidade, a Prefeitura planeja criar uma “zona de paz” ou “zona branca”, onde vai se priorizar a circulação de pedestres e ciclistas e restringir o fluxo de automóveis nas ruas, assim como as vagas para estacionamento. A circulação dos carros deve se restringir a um número restrito de faixas mais lentas e a estacionamentos residenciais ou comerciais. Para que seja possível trabalhar com esse conceito, deverão ser tomadas medidas tais como a liberação de estacionamentos comerciais, a criação de estacionamentos subterrâneos e a concentração de táxis na região. Para que os carros evitem a passagem pelo Centro, é necessário oferecer uma estrutura capaz de absorver aqueles que se deslocam pela cidade por caminhos que envolvem o Centro. Para isso o IPPUC está trabalhando com a ideia de um anel viário de integração que concentre o máximo de itinerários possíveis evitando a região central.

O projeto para a Rua Voluntários da Pátria, por exemplo, liga a Praça Osório à Praça Rui Barbosa e vai dar preferência quase exclusiva para pedestres. O carro ainda vai poder trafegar pela rua, mas no limite que deve se restringir a uma faixa para circulação e sem faixa para estacionamento. Nesse trecho os automóveis irão andar em uma pista de paralelepípedos, o que diminui sua velocidade, que deve subir de nível e ficar quase paralela ao nível de pedestres. O petit-pavê atual será restaurado e à área será acrescida uma faixa lisa, sem obstáculos, priorizando a acessibilidade.

As obras de revitalização do “Novo Centro” começaram na Riachuelo e devem seguir pela Rua São Francisco que, segundo Magnabosco, já está em fase de licitação. A ideia é criar um ambiente que concentre espaços voltados para alimentação. Pensa-se em uma parceria para a criação de uma escola de gastronomia e no incentivo à abertura de novos restaurantes.

No trecho do projeto compreendido entre as ruas Riachuelo e São Francisco até o Passeio Público existe o plano de resgate do cinema de rua (em oposição aos de shopping centers), com a reabertura do Cine Luz e do Ritz, já fechados há algum tempo por problemas estruturais e técnicos. Os cinemas serão instalados na esquina da Riachuelo com a Rua Carlos Cavalcanti, no prédio da antiga impressora paranaense, que por muito tempo abrigou um quartel. A ideia é trazer duas salas de exibição com 112 lugares cada uma, uma para o Ritz e a outra para o Luz, uma sala com 70 lugares soltos, onde possam se realizar oficinas e outras exibições. A estrutura restante do prédio será utilizada como uma escola onde serão ministrados os cursos que hoje acontecem, com muita falta de espaço, na Cinemateca, que não tem capacidade de suprir a demanda e deverá ficar restrita a abrigar o acervo cinematográfico da cidade e realizar a exibição de material para um público mais específico.

Além da revitalização dessas áreas, o IPPUC propõe a ideia da criação de um “Corredor Cultural”, que liga a Reitoria à Universidade Federal. O projeto reverencia os cem anos da Universidade e pretende evidenciar os espaços públicos que existem ali. 

Para o historiador Marcelo Sutil, os esforços devem se concentrar na conservação dos espaços públicos, mantendo-os vivos e preservando sua identidade. “Eu acho que o Centro entrou em um período de decadência até alguns anos atrás e agora as pessoas estão procurando-o novamente. E nesse aspecto, o incentivo às moradias aqui contribui bastante. Se você tem um processo de estar sempre conservando a vida daquele lugar, não vai precisar revitalizar. Se está se revitalizando hoje é porque em algum momento se deixou que a situação morresse.”

O historiador atenta para a questão do cuidado necessário ao executar obras em espaços que representam patrimônio histórico. “Tem que saber definir bem de que maneira colocar o novo do lado do antigo. A gente não pode congelar uma paisagem na cidade, o processo urbano não para. A cidade está sempre se refazendo, sempre crescendo, mas tem que ver bem os critérios e dosar até que ponto a gente transforma.”

Além do patrimônio físico do Centro da cidade, a população que habita e frequenta a região também a caracteriza. No caso do Centro, a maioria do público é popular, geralmente trabalhadores que vão embora no final do expediente. Segundo Marcelo Sutil, a ideia de diversificar o público deve acontecer da maneira mais espontânea possível, respeitando a população que já está ali. A ideia é evitar a chamada “gentrificação”, ou enobrecimento urbano, fenômeno que ocorre quando intervenções (com ou sem auxílio governamental) provocam a melhoria e consequente valorização imobiliária de espaços urbanos, retirando dali os moradores tradicionais, geralmente parte de classes sociais menos favorecidas.

“Não pode simplesmente pegar uma coisa e transformar em outra, porque ali tem toda uma população, tem um comércio popular, uma população que circula e frequenta o espaço. Se de repente a gente revitaliza e dá uma guinada de 180 graus, corre-se o risco de mandar aquela população para fora e ao mesmo tempo de não trazer uma população nova”, completa o arquiteto.

Além de explorar o potencial em termos de cultura, o reavivamento do Centro apresenta boas oportunidades para o comércio, já que ali moram mais de 37 mil habitantes e há a circulação diária do maior número de pessoas de toda a cidade. É também na região central que acontece a maior movimentação financeira de Curitiba, representando 14% de todo o comércio da cidade, quase o triplo da segunda maior movimentação, que acontece no Boqueirão.

Rico cenário cultural e ambiente propício ao desenvolvimento de ações criativas, o Centro atraiu o Movimento Curitiba Criativa, iniciado no começo de junho deste ano como trabalho voluntário da “Escola de criatividade”, comandada pelo profissional de marketing Eloi Zanetti.

Aliado a uma iniciativa do Sebrae e da Fecomércio o movimento busca criar, trabalhar, estimular e apoiar os movimentos e iniciativas culturais que acontecem nessa área, conectando-os e integrando toda cidade. “Curitiba já esteve no topo das cidades criativas, mas ao longo do tempo perdeu o fio da inovação. Há alguns anos saímos na frente em diversas áreas, nos perdemos e outras cidades assumiram ideias que tiveram início aqui”, coloca Zanetti.

De fato, no local, encontram-se diversas iniciativas criativas, tais como a “Quadras Cultural”, evento realizado anualmente pelo bar “O Torto”, conjunto do comércio e bares da Vicente Machado, o bloco de carnaval, cada vez mais popular, “Garibaldis e Sacis”, os já tradicionais b-boys do shopping Itália entre outros. Talvez, a revitalização que vem se mostrando no Centro seja “o momento certo no lugar certo” para Curitiba se reinventar e trazer à tona a energia criativa, debaixo da timidez cinzenta.


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