Economia
03.09.2015
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03.09.2015
11.10.12
E agora, HC?
por Christiane Kremer

UFPR diz não à empresa pública criada pelo governo federal para administrar e sanar a crise dos hospitais universitários. O problema agora é como fica a situação do Hospital de Clínicas

HC completou 50 anos em 2011 e é o maior hospital público do Estado. Nos seus 63 mil m², circulam diariamente 11 mil pessoas
A maior parte das pesquisas puras e aplicadas desenvolvidas no Brasil são frutos do processo de ensino, pesquisa e extensão realizado dentro dos hospitais universitários
Os espaços recentemente reformados pela administração do HC - incluindo as salas de exame com máquinas de ressonância magnética - não são utilizados por falta de profissionais
De acordo com a diretora do HC, Heda Amarante, o hospital tem pelo menos 150 leitos fechados por falta de funcionários
O atendimento no HC é exclusivo para usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), o que faz do hospital o maior prestador de serviços gratuitos no Estado
Os leitos fechados hoje no HC equivalem a um hospital de médio porte

Ainda deve estar fresco na memória de alguns o dia em que o ex-presidente Lula deixou o cargo de autoridade máxima da nação, após oito anos de mandato. Era 1º de janeiro de 2011, data em que um ex-metalúrgico passava o poder para a primeira mulher eleita presidente da República do Brasil. Momento histórico, de fato marcante. Mas, o que anda despertando a lembrança para a ocasião não é exatamente a entrega emocionada da faixa presidencial à presidente Dilma Rousseff, e sim o reflexo de um dos últimos atos assinados pelo ex-presidente Lula. A Medida Provisória (MP) 520/10, editada na véspera da cerimônia de posse, criando a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) para gerir os hospitais universitários (HUs).

O órgão público resolveria os impasses administrativos, contrataria novos funcionários e regularia a situação de alguns contratos de trabalho nos 46 hospitais-escola do Brasil. De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), dos 70 mil trabalhadores desses hospitais, 28 mil foram contratados por meio de fundações de apoio das universidades, em regimes questionados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). 

No entanto, desde o início a medida gerou polêmica e foi alvo de críticas. Na Câmara dos Deputados foi aprovada, mas rechaçada pela maioria no Senado. Reeditada em setembro de 2011 voltou para a Câmara como projeto de lei e foi novamente acatada. Ao seguir para o Senado pela segunda vez, tramitou em regime de urgência, o que levou à votação direta em plenário e a consequente aprovação. Nesse período de “vai e vem” da proposta, entidades representativas das classes médica e universitária realizaram diversos protestos contra a criação da empresa. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) publicou, inclusive, moção de repúdio enquanto a matéria ainda estava no Senado. O tema também teve reações negativas dentro da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, encabeçada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN).

Entre os inúmeros argumentos, alguns de cunho claramente ideológico, estava a preocupação das instituições federais de ensino com uma possível perda da autonomia universitária. Assim como as dúvidas quanto ao regime de trabalho via CLT proposto para as novas contratações e a ausência de garantias de emprego para os funcionários irregulares.

As manifestações fizeram barulho, mas não o suficiente para impedir a sanção presidencial. E quase um ano após a “despedida” do ex-presidente Lula, a proposta deixada por ele era aceita e estava oficialmente criada a EBSERH. O restante da história teve um desenrolar mais rápido, com a nomeação da diretoria da empresa, criação do estatuto social e, o mais importante, com a sinalização das universidades quanto à contratação da EBSERH.

Nessa etapa, em que a operacionalização da empresa ficou mais evidente, é que o debate parece ter ganhado mais força dentro das instituições de ensino. De acordo com a EBSERH, dizendo “sim” à empresa, a universidade transfere toda a administração dos hospitais e a gestão desses lugares para a estatal. As contratações, para absorver os funcionários irregulares e ampliar o quadro, são feitas por meio de processo seletivo simplificado e por tempo determinado de dois anos, contados a partir da implantação da empresa. Depois desse prazo, o ingresso na EBSERH passa a ser por concurso público aberto.

Aqui não

A greve dos servidores técnico-administrativos do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) neste ano, que durou 72 dias, colocou o tema na pauta de manifestações. Do lado sindical, a maior ‘birra’ com a EBSERH se dá pelo regime celetista das contratações e a incerteza quanto à admissão dos cerca de mil funcionários do quadro da Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar). “Essas pessoas têm no mínimo 16 anos de trabalho no HC. E a EBSERH não dá garantias de que todos seriam absorvidos, nem que teriam facilidades no processo seletivo ou que os padrões salariais se manteriam”, comenta Carla Cobalchini, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Terceiro Grau Público de Curitiba, Região Metropolitana e Litoral do Estado do Paraná (Sinditest-PR).

Questionada se haveria garantia na contratação de todo o quadro fundacional, a EBSERH respondeu por meio de sua assessoria de imprensa que não há nenhuma, mas que serão levados em conta a experiência, qualificação e o tempo de serviço que esses funcionários prestaram nos hospitais universitários. “Somente passarão a fazer parte do quadro de empregados os profissionais aprovados nos concursos públicos e processos seletivos realizados”. Incertezas que reforçaram o repúdio à EBSERH e levaram a categoria a mais um dia de paralisação, mesmo com o encerramento da greve.

Os sindicalistas, no entanto, não precisaram protestar muito para que a Universidade Federal dissesse não à empresa do governo. Apesar de estar nos planos da instituição como uma oportunidade, a adesão foi considerada inviável pelo Conselho Universitário (Coun) da UFPR que aprovou resolução contrária à implantação no último dia 30 de agosto. A falta de um contrato que permitisse a adesão parcial foi uma das razões para a mudança de posição, como explica o reitor da universidade, Zaki Akel Sobrinho. “Quando a EBSERH começou a ser desenhada tinha um formato que permitia que as universidades escolhessem alguns serviços para contratar. Por exemplo, queremos atuação na área de compras, que informatize hospital, ajude na parte de logística ou precisamos apenas que resolva a parte de pessoal. Ao vermos que o cenário agora é do tudo ou nada, obviamente que não aceitamos, pois não atende nossa demanda”, justifica. Segundo o reitor, o gargalo por aqui não é na gestão do hospital, mas financeiro e de falta de funcionários.

Problemas que, na visão da instituição, não justificariam arriscar a autonomia universitária e entregar o hospital de “porteira fechada”. “A empresa exige domínio completo do hospital. Você tem que entregar o patrimônio, ou seja, prédio, instalações, equipamentos e a própria gestão. O reitor pode indicar o diretor-geral, os demais cargos de direção são indicados pela empresa. Eles têm o financiamento e o comando. Praticamente perderíamos o controle do hospital”, reforça.  E perder o controle nesse caso pode implicar em prejuízos na missão primordial dos hospitais universitários que é prestar assistência e ser um espaço de ensino, pesquisa e extensão. “Nós temos um grande desafio que é manter a assistência, atendendo os pacientes do SUS, e ser, ao mesmo tempo, um hospital-escola com um espaço adequado para a aprendizagem dos nossos alunos dos vários cursos da área da saúde. É preciso um equilíbrio muito tênue nessa relação e acredito que com a EBSERH a aprendizagem não seria o foco, apenas a assistência”, explica o reitor.

De acordo com a UFPR, a maior parte das pesquisas puras e aplicadas desenvolvidas no Brasil para a área da saúde são frutos do processo de ensino, pesquisa e extensão realizado dentro dos hospitais universitários ou de ensino. Um exemplo é o transplante de medula óssea, cujo primeiro procedimento realizado no Brasil aconteceu no Hospital de Clínicas da UFPR, há 33 anos. Mesmo que no papel a EBSERH garanta a manutenção desses pilares, Akel Sobrinho acredita que na prática a aprendizagem não seria a prioridade. “Então qual a nossa decisão nesse momento: não vamos aderir. Entendemos que na balança de pontos positivos e negativos são maiores os negativos”, resume. 

Até especialistas que veem a EBSERH como uma alternativa viável chamam a atenção para a questão do ensino. “Essa relação da empresa com as atividades de ensino podem ser complexas se não estiverem bem amarradas no contrato de adesão”, comenta Fernando Borges Mânica, doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “O Setor Privado nos Serviços Públicos de Saúde”.

Entre a cruz e a espada

Argumentos questionáveis ou não, o fato é que a decisão da UFPR pode trazer uma série de implicações que serão sentidas por aqueles que, talvez, sejam os mais alheios à discussão: os usuários. De acordo com a diretora do HC, Heda Amarante, o hospital tem pelo menos 150 leitos fechados por falta de funcionários. “O equivalente a um hospital de médio porte”, compara. Para abrir esses espaços seriam necessários 600 novos profissionais. “Com uma taxa de ocupação de 85% poderíamos ter, pelo menos, mais 400 internações de alta complexidade por mês”, contabiliza. Atualmente, o HC tem estrutura para atender quase 60 mil pacientes e realizar cerca de 1.500 internações por mês – entre média e alta complexidades.

Recursos provenientes do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf) já possibilitaram diversas reformas no HC. O valor total de repasses, de 2009 até agora, foi de quase R$ 50 milhões (R$ 49.104.397,49), incluindo custeio, obras e equipamentos. Atualmente, há oito projetos em execução. Tanto que ao circular pelos corredores do HC já é possível notar unidades quase que inteiramente reformadas, como a área de imagem, que recebeu espaço e equipamentos novinhos para a realização de exames de ressonância magnética. No entanto, segundo Akel Sobrinho, a maioria dos espaços reformados não pode ser aberta por falta de equipe.

Aí vem a primeira implicação: como contratar mais gente? Segundo a assessoria da EBSERH, como a solução apontada pelo governo para recompor a força de trabalho é a adesão, os hospitais que precisarem ampliar seus quadros “somente poderão fazê-lo por meio da contratação da EBSERH, já que não serão autorizados novos concursos públicos pelo Regime Jurídico Único pelos Ministérios do Planejamento e Educação”. A isso adicione a questão dos mil funcionários tidos como irregulares pelo TCU, que só poderiam ter suas situações regularizadas com a contratação da EBSERH.

Quase um beco sem saída para quem não aceitar a empresa e um grande abacaxi para os reitores descascarem. No Paraná, isso deve acontecer logo após as eleições da reitoria, atrasadas pela greve. A previsão é para a segunda quinzena de outubro, segundo Akel Sobrinho, que disputa a reeleição com Tarcisa Bega, diretora do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPR. “Encontrar uma solução para isso deverá ser prioridade, independente da candidatura vencedora”, diz.

O reitor conta que o primeiro passo já foi dado. “Temos um diálogo com o Ministério Público do Trabalho porque havia determinação para demitir os funcionários da Funpar. Estamos tentando mostrar um novo cenário, porque não podemos fechar o hospital. O HC não funciona sem um terço de sua força de trabalho. Fora o problema social que causaria a demissão de mil funcionários de uma vez só.”

A segunda ação deverá ser um grande movimento junto aos ministérios da Educação, Saúde e Planejamento para dialogar sobre outra alternativa. “O que nos conforta é saber que a adesão ainda é baixa. Isso significa que outros reitores também devem começar um diálogo com o MEC para saber ‘e nós, como ficamos?’”, acredita Akel Sobrinho. Até agora 16 universidades responsáveis pela administração de 26 hospitais optaram pela empresa. São 46 no total, vinculados a 32 universidades federais.

Akel Sobrinho avisa que se for preciso poderão envolver a bancada federal, o governador do Estado, além dos ministros paranaenses que estão no plano federal. Segundo o reitor, o HC é unidade de saúde vital para o Estado. “Portanto, quem mexer com o HC vai mexer com a saúde pública de Curitiba e do Paraná”, dispara. “Se essa proposta de política pública de administração através de uma empresa não serve para nosso Hospital de Clínicas, como é que vamos continuar com um bom hospital como é esse com 51 anos de tradição de excelência nas duas atividades?”, questiona. Esse deve ser o tom da conversa com os ministérios a partir dos próximos meses, já que, segundo o reitor, o “não” daqui fez barulho em Brasília. Espera-se apenas que não ecoe nos repasses financeiros ao HC.

Funpar: entenda o caso

O quadro atual de funcionários do Hospital de Clínicas é composto por dois mil trabalhadores concursados e mil terceirizados – esses contratados por meio da Fundação da Universidade Federal do Paraná para o Desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Cultura (Funpar). As contratações via fundação de apoio eram consideradas legais até 1996. Era a alternativa encontrada pelas universidades para manter os hospitais-escola em pleno funcionamento, já que os concursos públicos abertos pelo MEC eram insuficientes para formar um quadro adequado às demandas desses espaços. Além do trabalho assistencial, os hospitais universitários se dedicam ao ensino, pesquisa e realizam atendimentos de alta e média complexidades.

Essa modalidade de contratação, no entanto, foi proibida pelo TCU em 96. Naquela época, o quadro fundacional do HC era de 2.200 trabalhadores, segundo o reitor da UFPR, Zaki Akel Sobrinho. Esse quantitativo foi diminuindo por conta de aposentadorias, desligamentos e não foi reposto. “Hoje o déficit de pessoal no HC é de no mínimo esses mil trabalhadores que teríamos que repor do quadro fundacional”, explica o reitor.

Para os mil que ficaram o futuro no Hospital de Clínicas foi se tornando cada vez mais incerto. Em 2006, o acórdão 1520/2006 do TCU determinou que até 31 de dezembro de 2010 todos os funcionários terceirizados deveriam ser substituídos por concursados. Ou seja, mil funcionários a menos no HC e mil desempregados a mais na sociedade.  “Quando assumi a Reitoria, em 2008, sabia que teria dois anos pela frente para resolver essa situação. Tanto que no discurso de posse em Brasília disse ao ministro Haddad, na época, que precisávamos de uma solução definitiva para o quadro da Funpar, pois essa espada na cabeça das pessoas não dava para ter. Para quem está trabalhando fica uma instabilidade tremenda”, conta Akel Sobrinho. A partir daí a universidade começou um diálogo com o MEC e o Ministério Público do Trabalho. Solução consolidada na “despedida” do ex-presidente Lula com a EBSERH. “Só que infelizmente, quando a empresa se cristalizou para uma proposta de tudo ou nada, aí já não resolveu.”

Desde 2010, o acordo vem sendo renovado e os empregos mantidos. Contudo, a não adesão da UFPR à EBSERH deve trazer mais dor de cabeça aos trabalhadores. A dúvida é se o Ministério Público do Trabalho será sensível a esses casos específicos, já que a alternativa do governo foi dada. O reitor da Universidade Federal acredita que sim. Segundo ele, a discussão com o Ministério será a tarefa imediata, entre as muitas para sanar os resquícios que permaneceram com o “não” à EBSERH.

Aqui, problema. No Hospital de Brasília, solução

A Universidade de Brasília (UnB), no Distrito Federal, deve ser a primeira a assinar contrato com a EBSERH. Responsável pela administração do Hospital Universitário de Brasília (HUB), a universidade sinalizou a adesão em maio. Segundo Armando Raggio, diretor-geral do hospital, a possibilidade de novas contratações e de regularização dos contratos de trabalho pesou bastante na decisão. “Cerca de um terço dos 2.250 funcionários do hospital está em situação indesejável do ponto de vista trabalhista. Há, por exemplo, 650 profissionais contratados como prestadores de serviço autônomo que se forem demitidos não têm direito a nada. Tínhamos que resolver”, argumenta Raggio. Inaugurado há 40 anos durante o regime militar para atender servidores da União, o hospital foi cedido à UnB pelo Inamps (sistema de saúde anterior ao SUS) em 1990. Desde então os concursos públicos não deram conta de recompor a perda progressiva de funcionários do antigo Inamps, nem para compor um quadro próprio de funcionários. Raggio diz que, além de resolver os impasses trabalhistas, a adesão à EBSERH deve gerar economia para o hospital. Segundo ele, neste ano, por exemplo, dos R$ 156 milhões previstos no orçamento, R$ 48 milhões serão para pagamentos de terceirizados e profissionais autônomos.

Garantias em contrato Na opinião do diretor, muitos dos argumentos contrários à EBSERH não condizem com a realidade. “É preciso esclarecer alguns pontos, como, por exemplo, a questão da perda de autonomia universitária. A EBSERH não é sucessora das universidades, pois quem contrata a empresa é a instituição de ensino e não o contrário. A universidade exerce sua autonomia ao explicitar nas cláusulas seus objetivos. Tudo é negociável com a empresa”, diz. A contratação via CLT também não é problema, “usa-se o regime de mercado para remunerar e isso significa aumento de salário. A remuneração nos hospitais públicos é muito aquém para profissionais de alta capacidade exigida nos HUs”. O argumento quanto à falta de estabilidade no regime celetista também não se aplica, segundo ele. “As demissões não são facilitadas, passam por processo administrativo. CLT não é o fim”, defende. Raggio conta que, mesmo assim, o processo de adesão não foi tranquilo por lá. “Houve intensos debates. Alunos e funcionários queriam suas garantias. Baseados nisso, estamos negociando com a empresa”, diz o diretor que, por enquanto, só vê vantagens com a adesão.

Especialistas divergem sobre EBSERH

Não falta consenso entre os especialistas da saúde sobre a urgência de encontrar uma alternativa para a crise instaurada nos hospitais universitários. Embora concordem que a atual administração direta dos hospitais é pouco ágil na tomada de decisões, divergem se a solução apresentada pelo governo federal é a mais adequada.

Fernando Borges Mânica, que é doutor em Direito do Estado pela USP e autor do livro “O Setor Privado nos Serviços Públicos de Saúde”, defende a necessidade das parcerias com o setor privado. “A atividade médica exige agilidade e uma forma de atuação que só o regime privado consegue”, diz. Segundo ele, é ingênuo acreditar que os hospitais universitários podem funcionar exclusivamente com a administração pública. “Hoje isso já não acontece. Os HUs se mantêm com as fundações de apoio, que são privadas”, explica.

Mânica explica que é preciso refletir sobre a validade de alguns argumentos contrários à EBSERH. Principalmente aqueles que discordam do regime das contratações via CLT e que dizem que haverá precarização do trabalho do servidor público. “Até que ponto o servidor público é mais eficiente e comprometido que um funcionário do setor privado?”, sugere. Ele cita o modelo de serviço de saúde instituído no Canadá, onde nenhum médico é servidor público. “O serviço é público, mas a prestação não ocorre por meio de uma estrutura pública”, explica. Na opinião dele, a EBSERH substitui, em tese, as fundações de apoio e desde que seja fiscalizada e exerça suas atividades de modo transparente não há problema do ponto de vista jurídico.

Para o médico Alcides Miranda, que é doutor em Saúde Coletiva e Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde e vice-presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), embora a criação da EBSERH tenha justificativas plausíveis, ter um hospital público orientado por políticas de mercado talvez não seja a melhor solução. “As lacunas tanto na Lei quanto no Estatuto da EBSERH deixam portas abertas para arranjos que não estão sob a ética do interesse público”, diz. Ele cita outras modalidades, como os consórcios públicos entre entes públicos, que permitiriam ampliar os serviços, contratar funcionários, em uma relação mais horizontalizada. “O governo federal, no entanto, trouxe uma alternativa vertical, com a centralização de recursos. Ou adere ou se inviabiliza”, constata. Na opinião do especialista, a alternativa de curto prazo apresentada pelo governo trará dificuldade no longo prazo.

Administração em dia no HC

O modelo de gestão adotado pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná justifica o argumento dado pelo reitor Zaki Akel Sobrinho de que por aqui os problemas não são administrativos. Em 2002 a governança do HC começou a ganhar novo formato. Foi implantado um modelo de gestão mais profissionalizado, formado por unidades gerenciais. A proposta, baseada na descentralização administrativa e maior participação decisória dos funcionários, veio do Ministério da Saúde e foi acatada pelo diretor-geral da época, Giovani Loddo.

Atualmente, o HC tem 23 unidades de negócios, divididas em assistenciais e administrativas. As assistenciais são aquelas ligadas ao atendimento dos pacientes, como a unidade de centro cirúrgico, de ambulatório, da mulher e do recém-nascido. Já as administrativas cuidam, por exemplo, da infraestrutura, hotelaria hospitalar, licitações e abastecimento. Cada unidade tem comando técnico, gerência própria e metas que devem ser alcançadas a cada ano, quando o contrato com a administração central do hospital é refeito.

A diretora-geral do HC, Heda Amarante, diz que a medida dinamizou o atendimento e organizou as demandas de cada setor. “As unidades são interligadas como uma grande rede de atendimento”, explica.  Um paciente internado para retirar um tumor, por exemplo, deve ser visto por várias instâncias e precisa que tudo funcione de forma sincronizada. A cirurgia é agendada e um leito já deve estar desocupado para recebê-lo antes e depois. Isso parece óbvio, mas, segundo Amarante, não era a realidade do HC antes das unidades gerenciais. “É uma grande mudança cultural dentro do serviço público”, acredita a diretora.

Outra mudança interessante é a experiência piloto em uma das unidades laboratoriais, onde os pacientes são atendidos com horário agendado para evitar que fiquem esperando o atendimento por horas. O procedimento usual do hospital é pedir que todos cheguem num mesmo horário e que esperem o atendimento, cuja ordem é determinada pela equipe médica.

Raio-X do HC

O Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná completou 50 anos em 2011. É o maior hospital público do Estado e o terceiro maior hospital universitário do País. Nos 63 mil metros quadrados de área construída, circulam diariamente 11 mil pessoas. O atendimento é exclusivo para usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), o que faz do HC o maior prestador de serviços do SUS no Estado. O hospital também coleciona primeiros lugares na área da saúde. Há 30 anos realizou o primeiro transplante de medula óssea do Brasil e da América Latina. Hoje já são mais de 2.000 procedimentos realizados. Também foi no HC o primeiro transplante de fígado do Paraná. O hospital se tornou referência no procedimento e, recentemente, chegou à marca dos 500 transplantes hepáticos.

De onde vêm os pacientes atendidos no HC?

57% de Curitiba

26% da Região Metropolitana

14% de outras cidades do Paraná

3% de outros Estados

(Fonte: Relatório de atividades do HC / 2009)

Números do HC

• 11 mil pessoas circulam diariamente no HC

• 61 mil pacientes são atendidos por mês

• 837 cirurgias realizadas mensalmente

• 510 leitos

• 261 consultórios

• 59 especialidades médicas

• 2.900 funcionários

• 369 médicos

• 277 médicos residentes

E um gasto médio por ano de R$ 212 milhões, incluindo a folha de pagamento da Funpar.


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