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Em abril de 2009 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa. Os dispositivos, entenderam os ministros, feriam a liberdade de expressão como está garantida na Constituição Federal. Mesmo sem a Lei de Imprensa (sancionada em pleno regime militar), há muitas decisões recentes condenando jornalistas e veículos de imprensa em ações de indenização por danos morais propostas por políticos brasileiros. Para entender um pouco esta contradição entre a liberdade de informar e o direito à honra dos homens públicos, a Revista Ideias entrevistou o advogado Luiz Fernando Pereira, doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), colunista da Revista Ideias e advogado de muitos jornalistas processados em ações de indenização:

O que é que mudou com a decisão do Supremo que declarou inconstitucional alguns dispositivos da Lei de Imprensa?

Muito pouco. No fundo, a decisão do STF apenas consolidou, ao reconhecer a inconstitucionalidade, uma orientação firme em garantia da liberdade de expressão, como está no artigo 220 da Constituição Federal de 1988. É verdade que temos agora um vácuo legislativo que deveria rapidamente ser resolvido pelo Congresso Nacional, sem perder de vista a regra maior que é a absoluta liberdade de expressão. A garantia constitucional dispensa previsão específica em lei e, ao mesmo tempo, impede que a legislação infraconstitucional seja instrumento de controle impróprio desta liberdade. Qualquer tentativa do Congresso de restringir ou controlar a imprensa, como sugerem alguns, esbarraria na aplicação da liberdade constitucional de expressão, na dimensão que a reconhece hoje o Supremo.

Se o Supremo sempre referenda o dispositivo constitucional que garante a liberdade de expressão, por que jornalistas continuam sendo condenados em indenizações por danos morais em ações propostas por políticos?

A liberdade de expressão não é absoluta. Trata-se de direito que deve conviver adequadamente com o direito à honra. É o paradoxo que deve ser resolvido na análise do caso concreto. O problema é que muitas decisões judiciais, sobretudo nas instâncias inferiores, não levam em consideração os parâmetros corretos para a análise destes casos, em julgamentos que divergem da orientação que prevalece no Supremo. Como regra, as instâncias inferiores não têm em tão alta conta a liberdade de expressão quanto o STF, disse tempos atrás o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Daniel Sarmento, ao se referir ao caso Família Sarney contra o “Estadão”. Muitos juízes e tribunais de segunda instância entendem que se o político foi ofendido por uma crítica dura, por acusação pesada, teve a sua honra ferida e, por isso, deve ser indenizado. Não deve ser assim. Os políticos podem ser ofendidos por críticas pesadas. Aqui está a parte incompreendida por boa parte da jurisprudência: há um caráter preferencial do direito de informar em relação ao direito à honra. É assim na maioria dos países. Aqui eu poderia citar as conhecidas posições das Cortes Supremas da Espanha, dos Estados Unidos e da Alemanha.

Políticos não se submetem a um controle maior por parte da imprensa e, por isso, não poderiam receber indenizações por danos morais em função de críticas?

Aqui está outro ponto importante. A transparência é pressuposto do regime republicano. Políticos renunciam à intimidade quando se propõem a exercer cargos públicos. Por esta razão estão obrigados a tolerar críticas, decide sempre o Supremo Tribunal Federal. Em decisão recente, o Supremo negou indenização a político e consignou que matéria de caráter mordaz, irônico – que veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou até impiedosa são lícitas. Político não tem o direito de se sentir ofendido por críticas, por mais duras e veementes que possam ser. É assim em todo o mundo civilizado. Além disso, como lembrou o ministro Celso de Mello noutro julgamento do Supremo, os políticos têm o espaço da própria imprensa para responder às acusações que reputarem injustas. Acusações contra políticos devem ser resolvidas no espaço público; não nos tribunais. Agora, é claro que tais posições não autorizam o abuso.

Como identificar um caso de abuso do direito de informar? Não há juízo excessivamente subjetivo nestes julgamentos?

O espaço do juízo subjetivo é muito menor do que se supõe. Em primeiro lugar, insisto que os juízes deveriam adotar a posição do Supremo - que é muito clara ao reconhecer a prevalência do direito de informar em relação ao direito à honra, com especial aplicação à esfera relativa aos homens públicos. Depois, é necessário compreender o compromisso que o jornalista tem com o grau de veracidade da notícia veiculada. Há decisões condenando jornalistas apenas em função da ausência de posterior comprovação integral do fato noticiado. Pode surpreender a afirmação, mas a verdade é que jornalistas não têm a obrigação com a comprovação definitiva do fato noticiado. Jornalistas devem apenas ser diligentes, mas não têm compromisso com a prova dos fatos. A prova dos fatos deve estar na esfera de obrigações das partes no âmbito do Poder Judiciário.

Isso significa que a falsidade do fato noticiado não é suficiente para caracterizar a responsabilidade do jornalista?

Exato. Exigir que o jornalista divulgasse apenas aquilo que estivesse inequivocamente comprovado é condená-lo ao silêncio absoluto. E não é demais lembrar que todos os tratados internacionais reconhecem a imprensa livre como pressuposto do regime democrático. Há um julgado conhecido do atual ministro do Supremo Cezar Peluso, quando ainda era desembargador em São Paulo, que consignava que o fato verossímil basta para autorizar a divulgação pela imprensa. Fato verossímil; não verdade absoluta. Como sempre lembra o professor Luís Roberto Barroso, o jornalista tem apenas o compromisso de ser diligente. E este dever de diligência está limitado pelo critério de tempo da lógica própria da imprensa. Notícias urgentes, assim como decisões judiciais urgentes, autorizam uma investigação jornalística mais célere, menos aprofundada. Nestes casos os juízos sumários dos jornalistas estão autorizados. Sempre com diligência máxima no tempo disponível, é claro. É conhecida a decisão da Suprema Corte americana no caso “New York Times” versus Sullivan. Mesmo reconhecendo que os fatos noticiados eram parcialmente falsos, o Tribunal americano livrou o jornal americano da condenação ao reconhecer que não tinha havido má-fé ou negligência (actual malice ou reckless disregard). É por isso que costumo dizer que o jornalista deve ter boa-fé e ser não ser negligente, levando em conta a urgência e relevância da matéria a ser veiculada. Cumpridos estes requisitos, os políticos podem ser duramente criticados, ainda que os fatos mais adiante não sejam comprovados. As críticas podem ser mordazes, irônicas, severas e até impiedosas, como está no recente julgamento do Supremo que mencionei antes. Políticos que se sintam ofendidos não devem recorrer ao Judiciário; devem responder, inclusive no mesmo tom - se acharem apropriado. Recomendo aos mais sensíveis que deixem a vida pública. A esfera de proteção à intimidade e à honra de quem não está na política é consideravelmente maior. 




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