Entrevista
03.09.2015
A igreja poderia estar explodindo de pessoas, mas no banco dos Homens Bons ninguém sentava [...]
02.07.2015
29.05.2015
Edson Campagnolo, natural de Capanema, município do Sudoeste paranaense com 18 mil [...]
30.04.2015
Murilo Hidalgo ouve o povo dentro do caos da política
09.04.2015
Eles estão descontentes com o rumo político e econômico que o país [...]
17.09.14

Formado em Economia pela Universidade Federal do Paraná, mestre em Gestão de Negócios pela Universidade Federal de Santa Catarina, funcionário de carreira há quase 40 anos do Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social) e presidente da mesma instituição desde 2011, autor de mais de mil artigos acadêmicos e jornalísticos e professor do curso de Economia da FAE, Gilmar Mendes Lourenço falou à revista Ideias sobre a inflação e recessão, a falta de política econômica do governo federal, como caminha a economia paranaense em tempos de crise e os entraves vividos pelo Estado do Paraná.

Em 1984, atingimos a marca de 224% de inflação, é possível que passemos por um momento parecido?

Não. O Brasil não corre o risco de ter o retorno daquilo que chamávamos de hiperinflação. Hoje as condições da economia brasileira são muito difíceis, mas nós ganhamos muito na década de 1990 com uma série de reformas institucionais, principalmente no primeiro e no começo do segundo governo do Fernando Henrique Cardoso. Uma série de mudanças foi promovida na economia brasileira. Por exemplo, a abertura comercial, regulamentação da concessão dos serviços públicos, a liberalização da financeira, a flexibilização dos monopólios, as privatizações, o próprio Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Essas mudanças favorecem, pois se tiver inflação, teremos de forma moderada como temos hoje, ainda que fora de linha com o mundo. Eu diria que se tivéssemos o arranjo institucional anterior à década de 1990, com a incompetência da política econômica atual, provavelmente a hiperinflação já seria uma realidade. O que a segura em patamares de 6 a 7% ao ano, são, justamente, essas modificações institucionais que foram feitas entre 1991 e 2000.

Delfim Netto, em entrevista recente, disse que foi um erro estabilizar a inflação através da moeda e que deveriam ter investido mais em política econômica. Como que você analisa isso?

Está correto. O Fernando Henrique no primeiro mandato usou o câmbio para combater a inflação, com câmbio valorizado o preço dos produtos importados fica mais barato, aí você sufoca qualquer pressão inflacionária aqui dentro, porque qualquer empresário que deseje aumentar abusivamente os seus preços vai enfrentar a concorrência dos importados. Essa foi a âncora do Real entre 1994 e 1998, depois o Fernando Henrique mudou isso e instituiu o câmbio flutuante, monitorado, no entanto, pelo Banco Central. O Lula prosseguiu com essa política e vem sendo mantida até hoje. O que precisa mesmo é permitir que o câmbio torne-se mais competitivo sem gerar pressão inflacionária, para isso teríamos que reduzir a taxa de juros e para reduzir a taxa de juros – aí é a tarefa mais difícil – o governo, teria que reduzir drasticamente os gastos públicos, coisa que ninguém quer fazer, especialmente agora que é ano eleitoral.

Com dez cortes seguidos do relatório Focus e a expectativa de crescimento a menos de 1%, você acha que é possível uma recessão?

A economia brasileira já está em recessão. Tecnicamente nós definimos recessão como a queda do PIB por dois trimestres consecutivos. O PIB caiu no primeiro trimestre e ainda não foi anunciado o dado do segundo trimestre, mas caiu no segundo trimestre também. O Banco Central numa estimativa preliminar já mostra isso. Agora, recessão é um fenômeno tipicamente da indústria, e quando nós olhamos os indicadores da indústria, o PIB já caiu por três trimestres consecutivos. O que, de certa maneira, encobriu esse cenário foi o fato do mercado de trabalho, por conta do bônus demográfico (hoje, diferentemente de antes, tem menos gente para trabalhar, porque a população economicamente ativa está crescendo menos). Isso não nos permitia enxergar de forma mais clara a recessão. Os últimos indicadores do emprego industrial e do emprego formal, medido pelo Caged (Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados), já vêm mostrando que a crise chegou ao mercado de trabalho. Junho passado foi o pior junho desde 1998 na geração do emprego formal.

Por quê?

O comércio desemprega porque o consumidor está comprando menos, se o consumidor está comprando menos, o comércio irá encomendar menos da indústria. Por isso que a indústria acusa queda na produção e esse processo deve persistir até o final do ano. O governo tomou medidas que se revelaram ineficientes, como a desoneração tributária para carro. Agora o consumidor está endividado, o crédito é muito caro. Essa medida não vai surtir efeito em curto prazo, principalmente neste ciclo eleitoral o governo vai conviver com números bastante negativos. Logo, já estamos, tecnicamente, em recessão.

Como o Paraná responde ao atual momento vivido pelo Brasil?

O Paraná, como não é uma ilha de prosperidade, vem sentido de forma bastante intensa a crise que assola a economia brasileira. Os indicadores de produção industrial mostram isso de forma bem clara, ela caiu 4,3% no primeiro semestre no Paraná, a produção brasileira caiu 2,6% e isso é reflexo da queda da demanda internacional, principalmente da Argentina, pois o mercado paranaense é muito atrelado, principalmente na indústria automobilística, à economia de lá, e o outro fator é a barreira interna, política macroeconômica do governo, que mais cedo ou mais tarde atingiria a economia local.

O Brasil, na verdade, não tem política econômica, por isso que a confiança dos empresários está caindo, quando você pega os indicadores da CNI (Confederação Nacional da Indústria), da FGV (Fundação Getúlio Vargas), verifica que a confiança das empresas e dos consumidores hoje é a pior da história e isso se reflete nas decisões aqui dentro: o consumo está caindo, o investimento está caindo, a produção industrial tende a cair.

Apesar disso, nos últimos três anos e meio o Paraná construiu alguns mecanismos que certamente retardaram a chegada da crise e nos permitirão retomar o desenvolvimento de forma mais acelerada quando a economia brasileira reencontrar o caminho da expansão.

Os números são bons. O PIB do Paraná cresceu, entre 2011 e 2013, 4,1% ao ano, enquanto o PIB brasileiro cresceu 2,0% ao ano. A nossa produção industrial cresceu 2,7% ao ano, a do Brasil 0,1% ao ano, quer dizer, nada. Aqui o emprego industrial cresceu 2,6% ao ano, no Brasil ele encolheu 0,5% ao ano. As vendas do comércio, que são um termômetro do consumo, cresceram no Paraná 8,1%, no Brasil 6,8% ao ano. E, ao lado disso, o Estado atraiu entre fevereiro de 2011 e julho de 2014 mais de R$ 35 bilhões de investimentos industriais privados – nacionais e internacionais – ,que devem gerar em torno 180 mil empregos.

 

Em 2000, você lançou o livro A Economia Paranaense nos anos 90, que faz a análise daquela década. Como você vê hoje a economia dos anos 2000?

Nos anos 2000 o Paraná se encaixou naquelas mudanças que vinham acontecendo na economia brasileira. Na verdade, nos anos 2000 o Paraná colheu os frutos que foram plantados na década de 1990.

Como na década de 1990 construíram condições para que nós eliminássemos a hiperinflação e fizéssemos uma alteração no marco institucional da economia brasileira, abrindo para a concorrência internacional, desregulamentando-a, privatizando uma série de empresas públicas que não faziam menor sentido continuarem na mão do Estado, passando para a iniciativa privada, houve uma redescoberta do Brasil por parte dos investidores nacionais e internacionais e uma parte significativa deles escolheu o Paraná como alternativa para hospedar seus investimentos.

Exatamente por isso que na década de 1990 nós montamos um modelo de desenvolvimento que teve como âncoras produtivas a indústria automobilística, o complexo automotivo, incluindo as montadoras; o agronegócio, com uma forte presença e participação das cooperativas que se modernizaram e se verticalizaram; a indústria madeireira; a indústria petroquímica; e a indústria da construção civil. Esses cinco eixos foram as âncoras de expansão da economia do Paraná, que foram moldadas na década de 1990, e esse processo maturou nos anos 2000, por isso que esses anos foram de aceleração no crescimento tanto no Brasil, quanto no Paraná. No entanto, curiosamente, quando a gente olha as estatísticas do nosso Estado, principalmente entre 2003 e 2010, o Paraná cresceu menos que o Brasil. O Brasil cresceu 4,0% ao ano, enquanto nós crescemos 3,7% ao ano.

Quais fatores levaram a isso?

O principal fator de não termos crescido mais que o Brasil, mesmo tendo potencial para crescer mais, foi uma administração mais intervencionista: uma administração que teve problemas com as concessionárias de pedágio; teve conflito com a produção de transgênicos; e teve conflitos com as indústrias que foram incentivadas na década de 1990, principalmente na indústria automobilística. E curiosamente o grande eixo de expansão econômica no Paraná na década de 2000 foi a indústria automobilística. Junto com isso deixamos de atrair investimentos, porque não havia uma interlocução adequada entre os atores políticos e as empresas privadas que queriam vir para cá. Esse clima foi recuperado de 2011 em diante, por isso que atraímos tanto investimento. Entre 2003 e 2010, o Paraná atraiu R$ 16 bilhões de intenções de investimento. Entre 2011 e 2014, nós já atraímos mais de R$ 35 bilhões.

Então foi uma mudança de estilo, o governo se aproximou dos agentes privados e junto com eles tentou estruturar algumas possibilidades de desenvolvimento pró Estado do Paraná. Poderia ter sido muito melhor se nós tivéssemos uma presença e uma influência política mais expressiva junto à esfera federal, é por isso que temos tantas dificuldades em conseguir aval da Secretaria do Tesouro Nacional, por barreiras eminentemente políticas.

Se não bastasse isso, os gastos do governo federal caíram muito nos últimos anos e é paradoxal, pois é o período que o Paraná mais esteve representado no governo federal. Nós tivemos um ministro das Comunicações, uma ministra chefe da Casa Civil e um ministro chefe da Secretaria Geral da República e não conseguimos mudar essa tendência do Paraná de receber menos recursos do governo federal. Nós recebemos menos de 1% e contribuímos com 6% do PIB.

Os recursos destinados ao Paraná só foram liberados pela via judicial com a determinação do ministro Marco Aurélio e ainda assim com algumas negativas do governo federal. Isso atrapalhou o Paraná. Outra coisa que atrapalhou esse processo foi a nossa crise financeira. Nós vivemos uma crise financeira desde o segundo semestre do ano passado, mas ela tem a ver em uma proporção razoável com a gestão financeira que o Estado fez, talvez nós pudéssemos ter uma gestão um pouco mais firme, mas a principal razão é outra, esse governo teve que conviver com o aumento expressivo da folha de pagamento em função de compromissos assumidos no final do governo anterior. Outra coisa foi o compromisso com os professores, a folha deles subiu de R$ 2 bilhões para R$ 5 bilhões ao ano, foram contratados mais de 17 mil profissionais de ensino no Estado.

Quais são os principais problemas da economia paranaense?

A gestão financeira do Paraná é uma gestão muito parecida com a esmagadora maioria dos estados brasileiros, nós temos uma estrutura pública pesada – como todos os estados têm –, então nossos custos fixos são muito elevados, logo de cara fica difícil de fazer uma gestão mais austera sob pena de você não sair do lugar em termos de administração e infra-estrutura, mas havia uma programação de receitas, não havia a menor expectativa que o governo federal fizesse redução de tributos. Havia uma expectativa de geração de receita que não se confirmou, havia uma expectativa de recebimento dos recursos internacionais e do BNDES para investir em infraestrutura econômica e social.

A receita ficou comprometida em dois bilhões de reais, os recursos não vieram (são recursos que somam mais de R$ 3,5 bilhões, aí são quase seis bilhões de reais, com os quais o Estado não contou). Agora o Estado investiu em infraestrutura, uma parte desses recursos que não vieram, saíram do caixa do próprio Estado, então exatamente por isso que tivemos esse problema financeiro no segundo semestre do ano passado.

E por que o Estado tirou do seu próprio caixa esse dinheiro?

Porque em todos os empréstimos internacionais não são recursos que vêm na sua totalidade para o Estado. Vem aquilo que foi acordado contratualmente, mas existe uma contrapartida do governo. Em qualquer empréstimo internacional – a não ser que seja fundo perdido – existe esta contrapartida. Então o Estado começou a gastar antecipadamente, tão logo esses contratos foram assinados, apesar de o dinheiro não ter vindo, ele foi gastando sua contrapartida. Teve que investir, investiu muito em infraestrutura de transporte, social e exatamente por isso, por esse gasto com o pessoal e previdência, gerou esse passivo de R$ 1,3 bilhão, que hoje está em menos de R$ 300 milhões. As contas já foram pagas e hoje é um déficit normal.

O que é um déficit normal?

Existe uma regra fiscal que diz o seguinte: o Estado é considerado equilibrado se ele tiver uma dívida equivalente a duas vezes a sua receita. No Paraná, a nossa dívida representa 0,6% da nossa receita. Exatamente por isso que as entidades internacionais aprovaram nossos empréstimos, pois nós temos capacidade de endividamento. Nosso problema do segundo semestre do ano passado – que foi de curtíssimo prazo, por sinal – foi de fluxo de caixa. Gastamos por conta a nossa contrapartida aos empréstimos internacionais que não vieram.

Até que ponto, historicamente, a economia influenciou o Paraná a ter pouco protagonismo político no cenário nacional?

A faceta principal é o fato de o Paraná ter uma industrialização tardia. O Brasil começou a se industrializar na década de 1950, quando há uma queda da participação agrária nos destinos políticos do país. Quando você se industrializa, o mando político do país acaba sendo criado, incorporado e atingido em âmbito federal pelo setor industrial. É o setor industrial e o braço financeiro que comandam as decisões do Brasil desde a década de 1950. Hoje, mais o braço financeiro do que o industrial, se bem que praticamente todas as indústrias têm um pé fincado no mercado financeiro.

O Paraná até o final dos anos 1960 e início dos anos 1970 era uma economia essencialmente agrícola, economia da madeira, da erva-mate, do café. Além de que no começo dos anos 1960 existiam três Paranás: o Paraná do sul, o tradicional da erva-mate e da madeira; o Paraná do sudoeste, que era o Paraná gaúcho e catarinense, dedicado a uma agricultura de subsistência; e o Paraná do norte, cafeeiro, vinculado ao Estado de São Paulo.

Hoje não é mais assim?

Hoje não. Claro que há as especificidades, mas a infraestrutura que foi criada na década de 1960 integrou esses três Paranás com o Paraná e com o resto do Brasil. Então quando você tinha o capital gaúcho, o capital catarinense, o capital paulista e o capital dos imigrantes, não havia uma identidade paranaense. Isso começa a mudar a partir da década de 1970, quando nós trouxemos as grandes indústrias modernas para a Cidade Industrial de Curitiba e a refinaria de petróleo para Araucária, mas aí ficamos com dois Paranás: o da região metropolitana e o do interior. E essa realidade prevalece hoje, é muito difícil juntar os interesses do Paraná, tanto que existe essa briga por investimentos. O apagão na infraestrutura, principalmente entre 2003 e 2010, atrapalhou muito isso, o Paraná deixou de intensificar esse processo de integração. E em função dessa fragmentação, o Paraná não consegue se fazer representar de uma forma articulada no cenário nacional, muitos senadores defendem os interesses de determinadas regiões, quando na verdade o senador deveria defender o interesse do Estado. Isso não acontece no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, mas, principalmente no Rio Grande, você tem uma representatividade do Estado. Os políticos na maioria das vezes se unem para defender, independentemente da sua posição partidária ou ideológica, os interesses do Estado; são poucos os estados que não fazem isso, o Paraná é um deles.

A questão dos empréstimos foi emblemática, houve uma postura de impedimento, uma tentativa nítida de tentar barrar os empréstimos por parte do governo federal e houve uma posição na melhor das hipóteses neutra por parte dos senadores. Tradicionalmente o Paraná não tem presença e influência política no âmbito nacional. O único momento da nossa história que conseguimos isso foi entre 1975 e 1978 com o Ney Braga.




TAMBÉM NOS ENCONTRAMOS AQUI: