Entrevista
03.09.2015
A igreja poderia estar explodindo de pessoas, mas no banco dos Homens Bons ninguém sentava [...]
02.07.2015
29.05.2015
Edson Campagnolo, natural de Capanema, município do Sudoeste paranaense com 18 mil [...]
30.04.2015
Murilo Hidalgo ouve o povo dentro do caos da política
09.04.2015
Eles estão descontentes com o rumo político e econômico que o país [...]
16.11.12

Cristovão Tezza nasceu em Lages, em Santa Catarina, em 1952. Aos oito anos de idade, mudou-se com a família para Curitiba. Foi relojoeiro. Cursou por um ano a Escola da Marinha Mercante, no Rio de Janeiro.  Fez teatro popular e foi iluminador das primeiras montagens de Denise Stoklos. Viajou como mochileiro e estudou nas terras portuguesas de Coimbra. Escritor premiado. Tem cerca de 30 livros publicados entre ficção, não ficção e antologias. Como característica de sua literatura, Tezza gosta de pintar retratos pacientes, exibindo um estilo sinuoso e apego absoluto à lentidão.

Em seu último livro, “O Espírito da Prosa: Uma Autobiografia Literária”, o escritor busca suas raízes literárias, repassando seus primeiros experimentos com a ficção, desde histórias fantásticas, até seus passos iniciais na prosa realista. Tezza é um dos principais autores contemporâneos do Brasil.

Ideias: Escrever “O Espírito da Prosa” surgiu com a intenção de fazer um mergulho autocrítico em seu ofício como escritor?

Cristovão Tezza: Depois de publicar “O Filho Eterno”, eu comecei a fazer muitas palestras de viagem. Saí da universidade e passei a viver dos livros. Com isso, comecei a articular a minha cabeça para pensar com calma e tentar desvendar o motivo de “por que escrever?”. Primeiramente, a ideia central era escrever sobre o gênero romanesco de uma forma não acadêmica, em seguida, acabei desenvolvendo uma necessidade de pensar sobre a minha própria formação. Afinal, a literatura não é uma atividade abstrata. Ela tem um espaço, um tempo e um lugar em que você cria um sistema de valores. Então fiz a pergunta: “Por que eu sou escritor?”, “Por que eu escrevi os livros que escrevi?” “O Espírito da Prosa” é um mergulho nessa direção.

Que influência o realismo literário e/ou romance do século XIX exerce em suas obras? Você se considera um defensor do realismo artístico?

Na verdade, não. Seria uma maneira simplificada de ver a questão. O que ocorre é certa influência da escola formalista do século 20 que os russos criaram, do qual é um desprezo pelas formas realistas de linguagem. E na virada dos anos 60/70, houve uma crise desse discurso, onde “O Espírito da Prosa” mergulha nas raízes dessa crise, principalmente no Brasil, que teve uma influência estruturalista muito forte. No livro, eu analiso um aspecto muito específico do Brasil, que foi a ditadura militar, a concentração da informação e o domínio literário pela universidade. Com isso, fizeram com que uma tradição romanesca da prosa brasileira se interrompesse. E que agora está renascendo. Simplesmente é uma análise de algo específico. Não uma defesa do romance realista como se o realismo se resumisse ao grande romance do século 19. Se pegarmos o “Ulysses”, do James Joyce, por exemplo, há uma espécie de “arquirrealismo”, que no caso é a tentativa de você “fotografar”, por 24 horas, vários ângulos do dia de determinada pessoa. Com técnicas extremamente realistas. O realismo não é apenas uma forma composicional. E isso meu último livro trabalha bastante, tentando desvendar esses aspectos.

Nos seus livros, um tema bastante recorrente é a existência lateral à sociedade. Um misto de forças de diálogos sociais. Um peso da sociedade na literatura. Qual é a intenção principal desse aspecto?

A literatura, querendo ou não, atravessa o mundo social em que vive. Houve um momento, na minha literatura, em que eu me voltei muito para uma especificidade social. Curitiba entrou na minha literatura, a partir do “Trapo”, de uma forma muito direta. Eu perdi o medo de falar das ruas, da cidade. Resumindo, eu perdi o medo da “aldeia”. Isso é um traço do que eu escrevo. Não foi uma coisa consciente. Foi uma evolução natural falar sobre Curitiba.

Qual é a importância da cidade de Curitiba como cenário para a sua obra?

Curitiba é uma cidade muito engraçada, muito diferente. A grande influência que Curitiba exerce sobre as pessoas é justamente a atmosfera da capital paranaense. Influencia no jeito das pessoas. Estou aqui há mais de 50 anos, e é claro que a cidade me afeta. Essa coisa do curitibano não sair muito de casa, de ser muito fechado e metódico. De ser uma cidade sem carnaval. De alguma maneira, Curitiba acabou me influenciando sem eu saber.

Pelo fato de estar começando a escrever em uma época onde a dificuldade da publicação era grande, existiam períodos onde você se sentia longe de se tornar um escritor?

Ser escritor não é uma profissão de gente com a cabeça no lugar. É uma aposta de risco que você faz com você mesmo. A sociedade não pede que você escreva e não existe um curso específico para você se tornar escritor. Como toda atividade artística, toda escolha nessa direção é uma atividade de risco. Pode dar certo ou pode não dar certo. E esse é um dos temas centrais do “O Espírito da Prosa”.

Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para seu trabalho ser publicado?

Foi muito difícil. Eu comecei a escrever nos anos 70. No caso, na era pré-internet. Na época, a publicação de qualquer livro era muito cara. Havia poucas editoras no País.  De certa forma, em Curitiba, eu estava exilado do grande movimento editorial do País, que no caso era o Rio de Janeiro, São Paulo e eventualmente Porto Alegre. Eu comecei participando de uma sociedade de autores, no caso uma co-editora, onde meu primeiro livro, “A Cidade Inventada” saiu por ali. Depois eu mesmo fui sócio de uma editora, onde eu criava edições junto com o Roberto Gomes. Logo em seguida eu coloquei na minha cabeça de que só voltaria a publicar se fosse por editoras do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Isso foi uma escolha minha, onde fiquei um bom tempo sem ser publicado. E em 1988, foi editado o livro “Trapo”, acarretando em certa popularidade nacional com romance.

Quais são as diferenças dos seus primeiros romances para os mais recentes?

Eu tive várias fases. No caso da fase de formação, eu falava do tipo de mundo daquela época que estava fazendo a minha cabeça. Com o “Trapo”, até certo momento, eu estabilizei um tipo de olhar sobre o Brasil dos anos 80 e sobre a classe média brasileira. Nesse caso, os que se encaixam são justamente o “Trapo”, “Juliano Pavollini”, “O Fantasma da Infância”, “Uma Noite em Curitiba” e “A Suavidade do Vento”. Eu fui como que testando formas e questões que surgiam na minha vida de maneiras diferentes. Em 1998 eu publiquei um livro bastante diferente, que foi o “Breve Espaço Entre Cor e Sombra”, onde eu dei um salto temático e literário. De certa forma, eu dei uma ampliada no foco da minha literatura. Inclusive, esse livro será reeditado, agora apenas com o nome de “Breve Espaço”, contendo um prólogo. Depois, passei quatro anos fazendo doutorado sem estar trabalhando com ficção e, quando voltei, em 2004, escrevi “O Fotógrafo”, que é um livro que faz um mergulho em intimidades curitibanas. Em 2007, escrevi “O Filho Eterno”, que modificou minha vida completamente.  Em seguida, publiquei o “Um Erro Emocional” e “Beatriz”, que são livros gêmeos. Na verdade, o livro de contos “Beatriz” estava previsto para sair antes. Por ventura, um dos contos se transformou em romance e acabou saindo antes, que seria o “Um Erro Emocional”. Este ano foi publicado “O Espírito da Prosa”, que é uma espécie de levantamento sobre a minha vida.

Quais são seus próximos projetos?

Eu tenho três projetos de romance em mente, sendo um deles o principal. Na verdade, pretendo começar a desenvolver no ano que vem.

Existe para você o dito “bloqueio criativo”?

Eu nunca parei de escrever. Eu fiz a opção em um momento da minha vida em parar de escrever. Isso quando comecei a fazer o doutorado, que acabou tomando certo tempo da minha vida. Em seguida, voltei para a ficção. No entanto, eu não me considero um escritor que escreve demais. Sou bastante metódico. Se começo um romance, levo em média um ano e meio, dois anos, para concluir. No momento, estou escrevendo sempre pela manhã. Isso entre oito horas da manhã até onze e meia, produzindo ficção. Parece que quanto mais velhos nós ficamos, mais a manhã aparenta ser mais longa e melhor para a cabeça. Por outro lado, tenho bloqueio criativo como cronista. Onde devo escrever uma crônica por semana. Na crônica para jornais, eu devo obedecer a regras formais de um texto de jornal, que tenha características públicas. Não posso escrever qualquer coisa. Nesse caso, sinto uma obrigação muito maior com o leitor, um compromisso. Ao contrário da literatura que faço, onde escrevo o que eu quero, do jeito que eu quero.

Você tem interesse em voltar para o teatro?

Não. O teatro exige uma participação muito grande com o diretor, com o ator. No caso, eu precisaria estar no ambiente de teatro para eu me estimular a escrever peças. Mas o teatro me fascina bastante.  A peça, por exemplo, do “O Filho Eterno”, que teve a direção de Daniel Herz, adaptação do Bruno Lara Resende e atuação do Charles Fricks, me atraiu muito. No momento, o Bruno Lara Resende está escrevendo a adaptação do “Um Erro Emocional” e dos contos do “Beatriz”. Mas eu não me envolvo com o processo de adaptação. Nem para o cinema. Eu não tenho medo que de alguma forma isso prejudique a minha obra. Afinal, são linguagens diferentes.

Como você enxerga o futuro da literatura?

No Brasil, a literatura está adquirindo um renascimento muito forte. A literatura brasileira está reconquistando o leitor. Antigamente, praticamente você escrevia apenas para outros escritores. Hoje, a literatura ganhou a ajuda da internet, justamente pela valorização da palavra escrita, onde, diferentemente da televisão, você é estimulado a escrever. E a literatura circula na internet de uma forma inimaginável comparado com o sofrimento em ser publicado nos anos 80.

Para que serve a literatura?

Pra ser sincero, eu não sei direito. Continuo investigando. Mas na minha concepção, ela é uma espécie de discurso não oficial. Ela promove a possibilidade de um mergulho fora da reta, promovendo um reconhecimento de mundo. E ao mesmo tempo, a literatura é uma conversa com todos os valores das linguagens do mundo. A literatura também é entretenimento, ela é história, ela é sociologia, psicologia, interpretação. A literatura levanta hipóteses, e ela consegue dar a visão de fora, trazendo começo meio e fim. Na vida não tem fim. Ela é um instante presente e perpétuo. Na literatura, é possível que você se afaste desse presente, passando uma perspectiva que você não encontra em nenhum outro lugar.  




TAMBÉM NOS ENCONTRAMOS AQUI: