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Ideias: Que lições o País aprendeu após a tragédia de Santa Maria?

Cel. Pombo: A maior lição é para o nosso empresariado. O nosso investidor deve rever seus conceitos de segurança. A lição de Santa Maria nos diz o seguinte: que o poder financeiro fala mais alto do que a segurança. Se a capacidade do estabelecimento está prevista para 500 pessoas, aí ele olha para fora e tem mais centenas de pessoas do lado de fora porque a outra casa de shows estava fechada naquele dia. Ele não quer perder essa clientela e coloca pra dentro.

 

Mas o empresariado de fato aprendeu a lição?

A AIFU (Ação Integrada de Fiscalização Urbana, blitz noturna) foi muito criticada pelos empresários devido ao rigor nas vistorias, porém hoje ela é reverenciada. Precisou acontecer uma desgraça para todo mundo pôr a mão na consciência e dizer que tem que ter segurança. Principalmente nos locais de reuniões de público. Aí todo mundo diz, “ah, boate, bares...”. Não. São todos os locais de reunião de público: igrejas, sociedades culturais, casas de eventos, restaurantes, prédios públicos, estádios de futebol, ginásio de esportes, tudo, todos.

 

Pode citar alguns exemplos?

Eu escutei de tudo por causa do evento de Santa Maria. Escutei presidentes de sindicatos, de associação, “ah, lá está o empresário chorando porque vai ter que ficar fechado”. A minha resposta foi simples: “Eu estou zelando pela segurança não só sua, mas de todos os funcionários e frequentadores deste estabelecimento”.

Numa entrevista que eu dei a uma emissora de TV, estava o dono de uma casa noturna cuja capacidade é de 700 pessoas. E o apresentador perguntou: mas, e se tiver um megaevento? Ele, ingenuamente, disse: “a gente tira cadeiras e mesas para caber mais”. É por isso que morre gente. Pela ganância em querer extrapolar aquilo que é permitido. É a mesma coisa que você pegar um barco de transporte, como sempre acontece no Amazonas, que a capacidade é de 800, eles põem 2.000 pessoas, o barco vira, naufraga no meio do Amazonas e morre um monte de gente. Nós temos exemplos de todos os tipos.

Então, o Brasil precisa acordar para a parte de segurança. Nós já tivemos no passado o Joelma, o Andraus, o Cine Avenida, nós já tivemos uma casa de shows em Minas Gerais, e ninguém lembra disso, cai no esquecimento depois de certo tempo. Aí precisa ter uma grande tragédia e uma comoção nacional para que se possa dar direito a quem cobra ter realmente força para cobrar. O bombeiro chegou a ter liminar deferida pela Justiça dizendo que não podia fiscalizar determinados estabelecimentos.

 

Aqui no Paraná?

Aqui em Curitiba.  Nós ouvimos de empresários que “o bombeiro não pode entrar aqui. Nós temos uma liminar da Justiça de que vocês estão proibidos de entrar”.  Agora pergunte se algumas dessas liminares hoje estão em vigência? Não, foram todas retiradas. Assim, num estalar de dedos.

Então, outra lição é que a Justiça, principalmente ela, jamais pode ir contra a segurança, contra o bem-estar da população, porque se um órgão público manifesta que aquele local é inseguro, tem que ajudar. Liminar proibindo o bombeiro de vistoriar é o cúmulo do absurdo, não é? Nós tínhamos ações de grandes associações e outras empresas contra a vistoria do Corpo de Bombeiros.

 

É verdade que já teve uma espécie de levante da Fiep contra as vistorias?

Teve. Eles acharam que os bombeiros estavam sendo rigorosos demais com o novo código de prevenção. Mas tudo que o bombeiro diz está escrito ou é norma internacional. Bombeiro não inventa e não cria nada. O empresário tem que se adequar, ele tem que investir. Você quer ver uma preocupação minha, hoje, em Curitiba? Chama-se Pedreira Paulo Leminski.

 

Não foi reaberta recentemente?

Não, não foi. O Corpo de Bombeiros limitou em 25 mil pessoas para atender às normas. Vai ter que fazer escadas de emergência subindo os paredões de pedra e outras obras. Já recebi pressão de tudo que é jeito por causa disso. Mas eu gosto de deitar minha cabeça no travesseiro e dormir sossegado. Eu não vou compactuar com alguma coisa que vá colocar centenas de milhares de vida em risco. As exigências do Corpo de Bombeiros para a Pedreira são bem claras e concisas. É desse jeito e, se não for desse jeito, o bombeiro não libera e ponto final. Aí tem empresário do ramo artístico, “pois é, nós tínhamos agendado um show com banda tal, com cantor tal”. Executem as obras e o bombeiro vai ver se está de acordo e aprova. “Não, mas leva tempo, é caro...” Lamento, mas isso não é problema do bombeiro.

 

Aquela experiência que tivemos, em 2008, no Teatro Guaíra, foi exemplar. Nunca tinha sido feita uma varredura daquele jeito em um teatro público, não é?

Exatamente. Você estava na direção do Guaíra e eu no comando do 1º Grupamento de Bombeiros. O Teatro Guaíra não tinha nada feito. Então, como nós conseguimos? Em doses homeopáticas, priorizando os itens mais necessários à segurança, nós fomos trabalhando, deixando aqueles itens menos perniciosos à parte da segurança mais para o final, como foi a coisa dos corrimões, você se lembra? “Tem que botar”, “ah mas tem que esperar a madeira, tem que ser a madeira do estilo porque é prédio tombado pelo patrimônio”. Então vamos esperar a madeira chegar para fazer isso. Mas em nenhum momento nós descuidamos do essencial que era a saída do público em condições de segurança dentro do teatro. Esse foi o primeiro item que, de imediato, foi resolvido. E o resto foi andando até que no final, quase dois anos depois, nós conseguimos ter o Teatro Guaíra totalmente regular e seguro.

 

Não seria essa a saída aos empresários? Fazer uma lista de prioridades de obras e ir cumprindo na medida da capacidade financeira da empresa?

Mas o empresário não cumpre! Uma casa noturna fez o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e o cronograma de obras. Não foi o Corpo de Bombeiros que fez o cronograma de obras deles. Foram eles mesmos. Disseram “nossa capacidade de empenho financeiro é essa, nós podemos realizar isso até a data tal, isso na data tal, e aquilo na data tal”. O TAC deles venceu agora dia 1º de março. Não realizaram nenhuma etapa do cronograma. Ai ele vem me dizer aqui que em 28 dias ele vai realizar? Não sou criança...

Eu pego uma empresa grande, multinacional, que tem sete mil funcionários. E o empresário diz: “mas se eu tiver que colocar sprinklers na linha de produção, isso vai me sair caro...”. Vai. Mas se pegar fogo os seus 700, 800 funcionários que trabalham na linha de produção não vão morrer asfixiados, intoxicados, porque tem o sistema de sprinklers em cima. Não é fácil negociar com empresário, ele não quer pôr a mão no bolso de jeito nenhum.

 

Não há exceção?

Tem. Têm empresários sérios também. São poucos mas existem. Aqueles que dizem “está certo, é assim que nós vamos fazer”. O segmento que eu posso dizer que menos dá problema ao Corpo de Bombeiros é o setor de shopping center. Não tenho problemas com empresários de shopping center porque o fluxo de público deles é muito grande e eles têm que pensar na segurança desse público. E têm pensado, sabe? Então, os projetos aprovados pelo Corpo de Bombeiros aos shoppings estão sendo executados, às vezes com alguma diversificação, mas nada que afete o conteúdo total da segurança.

 

Mas não teve o caso do Shopping Palladium, que seria interditado logo depois da inauguração?

Pois é, no Palladium foi erro de um engenheiro executor da obra, que quis agradar os proprietários reduzindo custos e resolveu tirar algumas escadas de emergência. Fizeram depois e elas estão lá agora. Foi feito um Termo de Ajuste de Conduta igual ao Teatro Guaíra e que foi cumprido integralmente, passo a passo. Então, quando o Corpo de Bombeiros vê que há reciprocidade por parte do empresário, por exemplo, de oito itens do Termo de Ajuste, fizeram seis. A empresa passou por uma redução de capital, um momento ruim, eles chegaram e disseram “Coronel, estou com problema. Esses dois últimos, no prazo que eu tenho, não vai dar para fazer”. Mas ele fez os outros seis, aqueles dois não vão interferir muito na parte de segurança individual. Então eu posso dar um prazo maior do TAC para ele porque já demonstrou que tem vontade e que está fazendo o necessário. Já fez mais de 50%, então vamos dar outra chance. O Corpo de Bombeiros não é tão intransigente, é só conversar.

 

Após Santa Maria, vai haver alguma mudança na conduta de prevenção de acidentes?

A legislação de prevenção no Rio Grande do Sul é evoluída, tecnologicamente falando, porque se faz tudo on-line, mas em termos de segurança é totalmente contrária a que hoje nós aplicamos no Paraná. A maioria dos estados brasileiros está mudando seus Códigos de Prevenção e, no Paraná, nós não precisamos mexer em nada, em nenhuma linha do nosso Código. A única coisa que nós acrescentamos foi uma Portaria que eu baixei logo após a tragédia, que é ter na fachada das casas de evento uma placa indicando a capacidade de público e o telefone de emergência. Foi a única alteração que nós tivemos que fazer.

 

É verdade que o Código do Paraná é o mais rigoroso do Brasil?

É. O Código de Prevenção do Paraná foi uma compilação de dados da NFPA, dos Estados Unidos, e do Código de Prevenção de São Paulo. Então, Paraná e São Paulo estão nas mesmas linhas de cobrança e de exigências. Nada é absurdo, nada. Existem falhas? Lógico, nada é perfeito e nem o Corpo de Bombeiros é perfeito. Demoras de vistoria podem acontecer, em parte por falta de efetivo que está sendo reposto, até você treinar esse efetivo vai demandar mais um tempo. O evento de Santa Maria gerou um acréscimo de 60% no número de vistorias em Curitiba.

 

Agora todo mundo quer. Para liberar logo.

Exatamente. Agora todo mundo quer. Eu tenho que pegar pessoal administrativo que tem um pouco de experiência e mandar para a vistoria, aquelas mais simples eu passo para as minhas equipes de serviço profissional, enquanto não estão atendendo ocorrências elas estão na rua fazendo vistoria. Então não é fácil, do dia para noite, arrumar gente habilitada.

 

E não pode falhar.

Pois é, mas tem falhas. Às vezes vai um vistoriador (essa é uma cultura que a gente está mudando dentro do Paraná), no dia seguinte vai outro vistoriador, com uma nova cabeça, uma nova mentalidade e exige coisas a mais ou a menos do que o primeiro exigiu. Se ele não for muito bem treinado e experiente, vai interpretar o Código de Prevenção da maneira dele. Então, a gente está organizando de maneira que o vistoriador que notificou seja o mesmo que volte lá para ver se o cara fez a obra. Antigamente, era o “vai quem estiver disponível”. Agora não, agora cada vistoriador tem a sua pasta, ele fica detentor da sua notificação, dá ciência ao seu chefe imediato e ele sabe que, dali a dez dias, ele mesmo terá que voltar naquele lugar. Não passa o abacaxi para outro. Claro que existem exceções, por exemplo, se o vistoriador entrou em férias ou foi fazer um curso, aí tem que mudar. Mas é o que eu sempre digo: se o empresário não concordar com o vistoriador, que venha até o Corpo de Bombeiros, venha conversar com a gente.

 

Daria certo um código de prevenção unificado, comum ao Brasil inteiro?

Não. O Brasil é um país continental, tem regionalidades específicas de cada Estado. O que você aplica no Amazonas muitas vezes não vai usar no Paraná. Por exemplo, o Paraná tem portos. Goiás tem porto? Não tem. Como é que você vai aplicar um código sobre portos? O Paraná é um Estado que tem armazéns graneleiros, é um Estado agricultor. O Nordeste não tem isso. Então, adotar um código único para o Brasil inteiro nunca vai dar certo. O que precisa é dar poderes aos Corpos de Bombeiros do Brasil para que exerçam o poder de polícia. Viu que está errado? Fecha!

 

Basta o alvará em dia para evitar acidentes?

Não. Se o lugar estiver inseguro, não. O setor de alvará da Prefeitura pode fechar a qualquer momento como também pode a Promotoria do Trabalho e a Vigilância Sanitária. Eles têm o poder de polícia, eles podem fechar se constatar uma irregularidade que afete os usuários daquele local. O Corpo de Bombeiros, caso constate uma irregularidade que afete a segurança, não pode fechar, tem que comunicar. Hoje no Paraná trabalhamos em sintonia com o Ministério Público. O Corpo de Bombeiros vê que está errado, avisa o Ministério Público para então o MP ir lá e fechar o estabelecimento. Ou avisar a Prefeitura para cassar o alvará.

 

O vice-governador Flávio Arns falou sobre o trabalho de prevenção do Corpo de Bombeiros em todas as escolas. Como funciona esse programa?

Já estamos quase terminando. Nós começamos em 2012 dando treinamento junto aos Núcleos Regionais de Educação em todo o Estado do Paraná. É lógico que não tem como treinar todos os professores da rede estadual de ensino. Então está se formando multiplicadores nos Núcleos Regionais de Educação. O Núcleo indica um funcionário de cada escola da sua área de atuação. Pode ser a merendeira, o vigilante, o diretor, a professora de Educação Física, eles vão para dentro do Corpo de Bombeiros e recebem treinamento do que vão aplicar na escola. O Governo do Estado tem dado um apoio enorme porque todas as solicitações das escolas em matéria de extintores, luzes de emergência, etc., estão sendo atendidas. O Estado está fazendo uma compra grande para adequar todas as escolas conforme o que o Corpo de Bombeiros diz. Hoje tem um oficial bombeiro, formado em Engenharia, dentro da Secretaria da Educação do Estado, que só cuida dos projetos das escolas estaduais. Ou seja, o Estado não vai construir nenhuma escola sem estar de acordo com as normas do Corpo de Bombeiros. “Perdi” um oficial aqui mas ganhei em matéria de prevenção e segurança junto à Educação.

 

Pouca gente sabe disso. Não há divulgação?

É um trabalho que não aparece mas que está dando resultado. Eu posso dizer que tem muita coisa que estamos fazendo. O Corpo de Bombeiros, você sabe, nunca foi de jogar confete nele mesmo, não é típico da corporação. Estamos fazendo esse trabalho desde 2012 e descobrimos que é grande a receptividade das pessoas que integram os Núcleos Regionais, professores, funcionários das escolas, eles estão adorando. Tem uma professora de Educação Física em Iporã que fez um projeto de evacuação da escola, mandou até croqui, que a sala A sai para tal lugar, sala B vai para tal lugar, a sala C... Então, ficamos felizes porque o trabalho dá resultado quando você vê que alguém de fora nos manda alguma coisa com o intuito de contribuir.

 

Qual é o efetivo atual do Corpo de Bombeiros no Paraná?

Previsto 4.200 militares. Mas nós estamos com 3.800 no Paraná inteiro. Falta gente. O governador fez menção a isso, hoje o Paraná é o Estado com o menor efetivo de policiais militares e bombeiros-militares do Brasil, em proporção aos habitantes. Então, nós estamos repondo o efetivo que estava defasado. Formamos 474 (quatrocentos e setenta e quatro) bombeiros agora em março, o governador já autorizou a inclusão de mais 809 para este ano. Mas o bombeiro tem que crescer, ele tem que estar em mais municípios. Temos 399 municípios no Paraná e os bombeiros estão presentes em quantos? 120. Não chegamos a 50% de cobertura do Estado em termos de cidade. É complicado. Mas aí também tem a parte dos prefeitos que mantém o Programa Bombeiro Comunitário, que diz que está ficando caro e que ele não quer mais. Então eu digo para o prefeito: “então o senhor avisa a população da sua cidade que o Programa vai ser retirado porque o senhor não quer mais o bombeiro lá”. Pergunta se ele vai falar isso? Nunca.

 

Qual o recado final do comandante do Corpo de Bombeiros aos paranaenses?

 O Corpo de Bombeiros sempre estará ao lado da população. Ele não quer saber se é classe A, B ou C, D ou E. O Corpo de Bombeiros atende da mesma maneira o abastado ou a pessoa humilde, o carente, o morador de rua. O tratamento é o mesmo, tanto do Siate quanto das equipes de combate a incêndios. Não tem diferenciação. Nós atendemos o bandido que foi baleado da mesma maneira que a vítima que levou o tiro do bandido. A profissão de bombeiro não nos deixa julgar os méritos do fato nem o porquê do que aconteceu. A preservação da vida humana independente do que aconteceu, por pior que seja. Portanto, os paranaenses podem confiar que estamos cumprindo rigorosamente a nossa missão.




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