Desta vez, vou falar um pouco de São Paulo, afinal, andei por lá, venho de uma intensa semana entre o Congresso Internacional Mesa Tendências
Desta vez, vou falar um pouco de São Paulo, afinal, andei por lá, venho de uma intensa semana entre o Congresso Internacional Mesa Tendências, cujo tema foi “Raízes: de onde viemos e para onde vamos”, e algumas descobertas gastronômicas. Choveu muito, fez frio, o trânsito não ajudou, mas fui conhecer o Esquina Mocotó, do Rodrigo Oliveira, e isso já é um motivo para comemorar. Já escrevi aqui sobre o Mocotó, onde o jovem chef paulista cresceu acompanhando o pai desde os 13 anos na cozinha, o pernambucano seu Zé Almeida. Quando o avistei no salão, fui cumprimentá-lo e pedir uma indicação, ansiando por um menu especial, sabe o que Rodrigo me respondeu, tranquilamente? “Ah, o cardápio é tão enxuto e tudo é feito com tanto carinho.” Ele tem razão e o que ajuda a provar mais pratos do cardápio, como estou acostumada, é que alguns são servidos em meia porção. Então, começamos com o clássico e copiado dadinho de tapioca, único servido no restaurante vizinho que entrou no cardápio, seguido de uma seleção de embutidos, porco na lata e patês fabricados ali, o “porcaria”, e segui em frente. Foi uma festa, sem falar nas caipirinhas. Um dia antes, Manoel Beato, famoso e credenciado sommelier de um dos restaurantes mais refinados da capital paulista, o Fasano, tinha dado o alerta na aula sobre cachaças: a melhor combinação é com limão, dos vários tipos, e caju. Tem razão. Comidas e bebidas de dar saudades. Até a ida para a zona norte da cidade acaba sendo parte da viagem. Vá sem medo, com GPS chega-se a qualquer lugar.
Antes de pular para outra mesa, ainda conto que o Mocotó e o Esquina Mocotó saíram no The New York Times, num artigo do jornalista Seth Kugel, do blog Frugal Traveler. Em um periódico internacional também está Alex Atala, aliás, na capa da revista Time, além de ter sido eleito uma das 100 mais influentes personalidades do mundo em 2013, graças à formiga que está no seu cardápio, de acordo com ele. Não é pouco. Ao lado de René Redzepi (Noma) e David Chang (Momofuku), Alex dá as pistas do que vamos comer no futuro, pela décima vez o chef encerrou o congresso de gastronomia e lançou mais um livro, o terceiro, Redescobrindo Ingredientes Brasileiros. Tratando também de processos, lá está a nixtamalização – “uma das mais antigas técnicas da cozinha mesoamericana e sul-americana” – proibida no Brasil. Incongruências do mundo real com o mundo sanitário. Lembra do doce de abóbora em pedaços com aquela casquinha dura feita com água e cal virgem? É isso. A publicação é indispensável para cozinheiros de todos os calibres.
Mas acho que o que interessa aos leitores daqui são dicas de onde encontrar boa comida e como prepará-las, então, voltemos ao tema. Consegui uma mesa também para jantar na Tappo Trattoria, de Benny Novak, agora tocada pelo jovem e talentoso italiano Rodolfo de Santis. U-lá-lá. Apesar de pouco tempo na casa, a aceitação dos clientes foi imediata. Invejei a chegada de um deles, levando seu vinho e logo pedindo um menu degustação, e eu, que não imaginava isso ser possível, agora quero voltar logo. Massas e molhos clássicos, amatriciana e com lagosta, além de uma pequena, mas saborosíssima porção de nhoque de cortesia, mostram que a cozinha tem base forte e o moço tem talento. A atmosfera do salão transportou-me para as mesas europeias. E quem é fã de comida japonesa, como eu, não dá pra sair da cidade sem conhecer os irmãos do Shin Zushi, Marco Keniti Mizumoto, o Ken, e o Nobu. Ambiente simples e barulhento, variedade de peixes, preparos especiais, como com a sardinha, tempero e temperatura do arroz no ponto certo, com grãos que não se soltam, servido num niguiri mínimo, é um dos restaurantes que entram na minha lista. Lembre-se de sentar no balcão e pedir omakase, claro, entregando-se ao talento do sushiman.
Volto para o congresso. Quem chamou minha atenção: Carlo Petrini, fundador do movimento Slow Food, com sua energia contagiante, sempre; o sueco Magnus Nilsson, que mostrou cenas do século passado com dissecação de cavalos e porque fala com conhecimento sobre o consumo exagerado de carne, fechei os olhos para as imagens, se dependesse de mim, nem formiga eu mataria, aqui um parêntese, comi formiga pela segunda vez, gosto de capim-limão, erva-cidreira, direto da tribo baniwa da região amazônica, que usa os insetos na falta de temperos para dar mais gosto aos alimentos, como a farofa, por exemplo. Sem espantos, os insetos são recomendados pela FAO (Food and Agriculture Organization of United Nations), pelo seu alto teor proteico, entre outras coisas.
Gostei de escutar do chef dinamarquês autodidata Jakob Mielcke que uma das coisas mais importantes, além dos produtos e das técnicas, é o jeito como você apresenta isso para os clientes. “É preciso criar sua própria filosofia. Não compramos nada de quem não conhecemos”, salientou. André Mifano foi apocalíptico imaginando o fim do mundo muito próximo e sem comida. Além de combater o desperdício, falou que “a fermentação é o futuro da alimentação”. Coisa pouco explorada por nós. Manu Buffara fez uma brilhante estreia, estava no palco do evento, uma paranaense em território paulista, divulgando o bioma local. Falou dos produtores que descobriu e que valoriza, como o feirante, que paga uma taxa mensalmente para colher apenas o que vai usar no seu restaurante, e o Ninhinho, morador do litoral, além do pessoal da Associação de Criadores de Abelhas Nativas da Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba (Acriapa), que defende com energia a comercialização do mel das abelhas sem ferrão, para mim, inúmeras vezes mais saboroso. Jataí, Tubuna, Mandaçaia e Manduri: guarde esses nomes, são os méis que consumiremos.
A coluna tornou-se pequena para tantos talentos e endereços. Por isso, vou me despedindo com a memória aquecida e estômago confortado graças à chef Ligia Karazawa do Clos de Tapas que, depois da saída do espanhol Raúl Jiménez Garcia do restaurante, assumiu a cozinha com galhardia e competência. O cardápio autoral tomou rumo certo e o restaurante, sob o comando do competente e arrojado Marcelo Fernandes, ainda ganhou uma varanda convidativa. Minha experiência ali foi um jantar a quatro mãos, um dos chamados jantares magnos da programação Mesa na Cidade, com o simpático catalão de nome complicado Pere Planagumà. Difícil cozinhar assim, mas, neste ano, parece que as parcerias deram muito certo. Conferi também o jantar no Epice, outro lugar para a lista dos bons restaurantes na capital paulista, do paranaense e representante da nova geração de cozinheiros Alberto Landgraf, que dividiu seus fogões com o carismático e igualmente talentoso e original dinamarquês Christian Puglisi, do Reale. Escreveria muito mais, quem sabe continue o assunto no blog. Fiquem com a receita da Ligia Karazawa, que gentilmente nos cedeu. Aproveitem.
Receita
Leitão de leite, cebola em texturas e um toque de cachaça
Leitão
1 paleta de leitão de 0,5 kg
0,1 kg de açúcar mascavo
Raspas de limão
Sal fino
Grãos de pimenta negra
3 dentes de alho
1 kg de banha
1 l de azeite de oliva
1 l de óleo
Modo de preparo:
Temperar a paleta e deixar marinando 12h. Passado este tempo, retirar as raspas de limão e os dentes de alho e confitar a paleta nos ingredientes graxos por, aproximadamente, seis horas em fogo bem baixo (a carne deve ficar bem macia). Escorrer e desossar. Porcionar conforme desejado e “pururucar” na chapa ou em uma frigideira no momento de servir.
Molho Rôti
0,2 l de caldo de pato
2 l de água
0,4 kg de cebola dados grandes
0,2 kg de cenoura dados grandes
0,1 kg de alho-poró
0,05 kg de cabeça alho tostada na chapa
1 tomate maduro
2 kg de carcaça de pato
0,5 kg de asa de frango
200 g de alho negro
Modo de preparo:
Refogar todas as verduras em azeite de oliva lentamente até ficarem bem douradas. Tostar as carcaças e asinhas de frango no forno seco a 200°C até ficarem da cor caramelo escuro. Na panela onde estão as verduras, acrescentar as carcaças e a água. Cozinhar por aproximadamente oito horas no fogo baixo. Na última hora acrescentar o alho negro descascado. Coar e deixar esfriar na câmara fria por 12h para poder deglaçar, uma vez frio, retirar a capa de gordura e deixar reduzir até obter textura de rôti.
Cebola grenadina
70g de cebola roxa picada (fina)
15 g de manteiga
15g de açúcar
13g de grenadina (xarope de romã ou de groselha não alcoólico)
13g de vinho tinto
13g de vinagre de cidra
Modo de preparo:
Refogue a cebola em fogo baixo junto com a manteiga por uma hora. Acrescente os outros ingredientes e deixe por mais uma hora no fogo com a panela semiaberta.
Purê de cebola e mel
1 kg de cebola branca cortada em Julienne
100 g de azeite de oliva
300 g de mel
5 g de sal fino
Modo de preparo:
Refogar em fogo baixo a cebola com azeite e sal, até ficar “macia” e dourada.
Colocar mel e refogar mais de uma hora. Bater no termomix (ou num processador) e passar por uma peneira fina.
Cebola roxa frita
Cortar em rodelas finas, passar na farinha de trigo. Fritar em óleo quente e escorrer bem. Temperar com sal.
Abacaxi assado
Corte o abacaxi (300 g) em cubos pequenos (brunoise) e refogue com 50 g de açúcar, acrescente dois cravos e 100 ml de água. Cozinhar até que fique bem macio, amassar com garfo, fazer bolinhas e reservar.
Montagem
Em um prato, faça um risco de purê de cebola, à direita coloque um pedaço de melão embebido em cachaça (deixar de molho na bebida por 30 minutos). No centro, disponha o leitão pururucado, o abacaxi e a cebola grenadina. Coloque um pouco de cebola frita sobre o leitão, regue com um pouco do molho rôti, decore com brotos e sirva.
foto: Peu Reis
Serviço
Clos de Tapas
Rua Domingos Fernandes, 548
Vila Nova Conceição – São Paulo/SP
Tel. (11) 3045-2291
www.closdetapas.com.br
Esquina Mocotó e Mocotó
Av. Nossa Senhora do Loreto, 1.100 e 1.104
Vila Medeiros – São Paulo/SP
Tel. (11) 2951-3056 / 2949-7049
www.mocoto.com.br
www.esquinamocoto.com.br
Epice
R. Haddock Lobo, 1.002
Jardim Paulista – São Paulo/SP
Tel. (11) 3062-0866
www.epicerestaurante.com.br/epice
Shin Zushi
Rua Afonso de Freitas, 169
Paraíso – São Paulo/SP
Tel. (11) 3889-8700
www.shin-zushi.com
Tappo Trattoria
Rua da Consolação, 2.967
Jardins – São Paulo/SP
Tel. (11) 3063-4864