Além das novidades com o café
Mudei drasticamente a minha relação com o café, já comentei aqui. Pois volto ao assunto. “Raise the bar”, disse-me um amigo, a expressão em inglês significa que quando o atleta vence a altura da barra, ele deve superá-la. Nunca voltar atrás. Depois veio a especialista Isabela Raposeiras explicando tintim por tintim o trato com os grãos, quebrando alguns mitos. “Pode deixar a água ferver, no Brasil nunca vai passar dos 100 graus, sem perigo de queimar o café e deixar o sabor amargo”, declarou.
Com a cozinha em reforma, arrastada por meses, abusei das fórmulas prontas da bebida e fiquei enfastiada. Daí vi todo mundo falando do café coado, entendi, as possibilidades de sabores aumentam com os vários produtos de qualidade no mercado. Assim, voltamos ao velho e tradicional método, um pouco mais trabalhoso, diria. Primeiro, comprei um moedor, sem muito sucesso, engata toda hora, deixa os grãos irregulares, e fiquei cheia de preguiça. Agora acho que a minha salvação está num aparelho elétrico, que não exige nenhuma habilidade ou regulagem mais complicada, contudo, ainda não sei onde encontrá-lo. Por enquanto, pulei essa parte e compro o café já torrado e moído, fui para o segundo passo: achar um coador de pano, também descobri que precisaria de um bule. Tudo encontrado em terras interioranas, por lá isso não é novidade nenhuma. Daí me deparei com uma receita, que divido com os leitores, foi-me dada, imagine, numa crônica da Clarice Lispector.
Por causa dela, agora, além das novidades com o café, estou debruçada na intensa vida de Milena Jesenská – a jornalista tcheca destinatária das Cartas a Milena, de Kafka – pelas mãos de Margarete Buber-Neumann, cuja leitura me aguardava na estante de casa há anos. Uma coisa leva a outra e, assim, engreno o ano, aos solavancos, tentando espichar os feriados, quase sucumbindo com as mazelas do dia a dia, alegrando-me, porém, porque soube pela filha de Getúlio Vargas, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, não ser a única com “acentuada tendência à acomodação”. “O Getúlio é um homem que deixa sempre para amanhã o que pode fazer hoje. Mas faz amanhã. Pois eu deixo sempre para depois de amanhã”, declarou, e do café à amiga de Kafka e revelações no livrinho de entrevistas da Clarice, sigo em frente na procrastinação, um pouco mais tranquila sabendo que não faço nada diferente dos Vargas.
Mas vamos à receita desta bebida que tem sabor de merecimento, como lembra a autora ucraniana, mais perto de nós por conta do Correio Feminino aos domingos na TV. “Para um litro de água, quatro colheres das de sopa bem cheias de café (se este for escuro demais, o que quer dizer que foi mais queimado, pôr menos quantidade). Enquanto a água para o café ferve, derrama-se água fervendo no coador e nas xícaras. Quando a água para o café estiver fervendo, joguem-se nela as colheres de café, mexendo sempre sem deixar ferver muito: uma só fervura. Joga-se fora a água que esquentava o coador e as xícaras, derrama-se o café no coador, e do coador nas xícaras”, ensinou o senhor José Barbosa de Oliveira, conhecido como general, para Clarice. Como faziam nossas avós, pensei. E achei que, como todo mundo e a autora antes da lição que recebeu, eu sabia fazer café.
Além dessa receita, afinal, a coluna merece mais do que um prosaico passo a passo de como fazer café, de pouca surpresa para muitos talvez, lembrei-me de uma sobremesa que eu apresentava garbosamente à família quando adolescente, que incluía a bebida bem forte e fria. Excluí a nata batida, pois o açúcar já é bem carregado no doce, troquei o Nescau pelo chocolate amargo para tentar equilibrar os sabores e conto como fazer a seguir. Lembre-se de que a combinação de nozes, café, suspiro e chocolate é para aqueles momentos quando o corpo quer um afago melado e muito de vez em quando, para não enjoar, não dos afagos, que destes podemos nos fartar sempre sem medo algum.
Torta de suspiros
Creme
8 colheres de sopa de açúcar
6 gemas
250 g de manteiga em temperatura ambiente
2 xícaras de nozes picadas
Café forte e frio a gosto
Bata o açúcar colocando as gemas uma a uma. Acrescente a manteiga, depois as nozes e o café.
Calda
1 xícara de leite
100 g de chocolate meio amargo de boa qualidade
1 colher de sopa de manteiga
Derreta o chocolate picado com a manteiga em banho-maria e acrescente o leite aos poucos, mexendo sempre.
Suspiros
2 pacotes de suspiros (200 g aproximadamente)
Nota: Tentei, em vão, fazer os suspiros em casa, ficaram puxa-puxa e molengas, não prestando para o nobre fim a eles destinado. Se o leitor, como eu, não tem tantas habilidades, recomendo em Curitiba dois lugares onde pode-se encontrar suspiros mais caseiros, sem conservantes. Falo das tradicionais Villa Anna e Confeitaria Munhoz, por sinal, lugares que têm tudo para virar tema de crônica, que nos levam a passeios por tempos idos.
Montagem
Coloque uma camada de creme, outra de suspiro até terminar, formando uma pirâmide ou um retângulo que tenha altura para a calda escorrer e é a forma mais fácil de servir. Leve à geladeira por pelo menos uma hora e derrame a calda de chocolate morna por cima dos suspiros antes de servir.