Gastronomia
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
09.08.12
Próximo ao rio Amstel
por Jussara Voss

Fui buscar terras desconhecidas. Dei de cara com Amsterdã. Descobri que o diretor britânico Peter Greenaway, conhecido pelo filme “O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante”, adotou-a como morada. “É a melhor cidade do mundo para se viver”, declarou recentemente. Sábio. Foi fisgado pelo “conforto com o discreto modo de vida local”. Ele conta que a regra para os holandeses é tentar não ser extraordinário, porque ser comum já é algo extraordinário.


Fui buscar terras desconhecidas. Dei de cara com Amsterdã. Descobri que o diretor britânico Peter Greenaway, conhecido pelo filme “O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante”, adotou-a como morada. “É a melhor cidade do mundo para se viver”, declarou recentemente. Sábio. Foi fisgado pelo “conforto com o discreto modo de vida local”. Ele conta que a regra para os holandeses é tentar não ser extraordinário, porque ser comum já é algo extraordinário.

Como bem disse uma amiga, “parece um povo resolvido”. No próspero país, o comércio funciona das 11h às 18h, o uso de bicicletas, como principal meio de transporte, surgiu na década de 1970, foi um movimento espontâneo da população, que tem em média três veículos de duas rodas por pessoa, o que me faz concluir, sem esforço, como estamos atrasados. Eu que sempre fui adepta desse sistema de locomoção, desde o tempo dos bancos preparatórios ao vestibular, delirei. Depois foi só seguir o homo ludens – o homem que joga – do escritor holandês Johan Huizinga e entrar na roda.

É claro que busquei por endereços que compensassem o deslocamento entre continentes. Dois nomes da lista World’s 50 Best Restaurants da revista britânica Restaurant na mira, porém, Oud Sluis (21º) e De Libirje (33º) estão afastados da cidade e tornaram as minhas opções mais difíceis – em um deles o chef estava viajando, em outro a distância e o pouco tempo no país impediram que eu o conhecesse.

Abaixo do nível do mar e acima das proibições. Há séculos os holandeses ficaram conhecidos pela tolerância, mas infelizmente, não conseguiram impedir o avanço do nazismo, a casa de Anne Frank está lá para levar os mais sensíveis às lágrimas. São liberais por convicção e recebem bem os turistas, moradores, de todas as idades, falam inglês. Na terra dos moinhos e diques, tulipas e tamancos de madeira, os klompen, da famosa rua da luz vermelha e dos bares onde a cannabis é liberada, a cidade tem surpreendido também aqueles que gostam de comer bem.

Assim foi nos dois charmosos hotéis da cidade: The College e o Dylan. Se vivemos de goles homeopáticos de prazer e emoções, para sobreviver às intempéries, do tempo, ou não, tivemos um pequeno aperitivo ali. O The College é um hotel da lista dos endereços charmosos, lembrou-
me o Faena de Buenos Aires. Instalado em um ginásio do século 19, seu restaurante funciona como uma escola e para julgá-
lo é preciso considerar que era domingo à noite e que o chef Wilko Hoogendoorn não estava. Foi um bom jantar, que deixou lembranças saborosas.

O Dylan Hotel Amsterdam, localizado no canal Keizersgracht, é outro porto seguro. A cozinha de base francesa, entre o estilo clássico e contemporâneo, também foi responsável por bons momentos, protagonizado pelo chef Dennis Kuipers, pelo maître Casper Westerveld e pelo sommelier Gosse Hollander. Aberto em 2009, tem uma estrela Michelin. Servem menus de quatro a cinco pratos, ou o menu maior com a assinatura do chef. Construído onde funcionou uma padaria até 1811, ainda mantém o forno original conservado durante a restauração do prédio. A visita ali é recomendada.

Deixando Amsterdã para trás, a primeira cidade de uma longa jornada, logo fiquei com saudades. As dicas certeiras foram da chef Carla Pernambuco. Não conheci o Tempo Doeloe e a mesa de arroz, o rijsttafel. Os holandeses incorporaram a refeição que é da Indonésia. Fiquei curiosa. Curiosidade também para provar os croquetes de carne vendidos em máquinas por um euro. Febo: vai ficar para outra estada, não foi dessa vez.

Apesar de a dica não ser para comer, preciso lembrar do Keukenhof, o parque das flores, mas fique atento quanto ao horário de seu funcionamento, abre apenas em alguns meses do ano. E se estiver por Amsterdã, ande muito pelo Jordaan, coma broodje haring, o sanduíche com arenque, cebola e picles, e compre hagelslad, o granulado para brigadeiro, que os holandeses comem até no café da manhã. Não posso deixar de mencionar as panquecas, outra especialidade deles. Fui atrás da tradição e encostei a minha bicicleta na calçada da The Pancake Bakery. Experimentei as salgadas pannenkoeken e as doces poffertjes, que mais parecem com uns bolinhos.

Outra dica certeira foi da Constance Escobar, Puccini Bomboni. A lembrança do chocolate derretendo na minha boca e o sabor, o aroma e a textura perfeitos foram fatais. Não acredito que eu comprei um bomboni, apenas um!, e quatro bastões de marzipã. Com o cheiro que tinha a loja, simplesmente, não acredito. Não sei se fiquei impressionada pelo fato de o chocolate não levar conservantes, e, por isso, sem nenhuma química, deve ser consumido em sete dias, ou pela beleza dos produtos expostos, enfim, o fato é que o lugar não me sai da cabeça. “No sugar, no butter, no fondant, no artificial additives”. Outra boa desculpa para voltar à cidade. Santa perdição. E numa busca aleatória, procurando mais da poesia local, deparei-me com Fernando Pessoa e encerro com suas palavras: “... Talvez que amanhã/ Em outra paisagem/ Digas que foi vã/ Toda essa viagem/ Até onde quis/ Ser quem me agrada.../ Mas ali fui feliz...”


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