Gastronomia
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
14.06.12
A caminho do paraíso
por Jussara Voss

Chovia muito, chamei um táxi, nem pensar em andar pela cidade famosa por ter o mais antigo centro de estudos da cabala do mundo. Uma lástima. Hospedada em Girona, a menos de 100 quilômetros ao norte de Barcelona, senti não participar da festa na cidade e perder as comidas vendidas nas barraquinhas de rua, principalmente as castanhas portuguesas assadas pelas quais sou capaz de qualquer coisa. Era a semana do festival de São Narcísio, o patrono do local, homem austero e simples que não lembra em nada a figura mitológica representada pela beleza e orgulho.


Chovia muito, chamei um táxi, nem pensar em andar pela cidade famosa por ter o mais antigo centro de estudos da cabala do mundo. Uma lástima. Hospedada em Girona, a menos de 100 quilômetros ao norte de Barcelona, senti não participar da festa na cidade e perder as comidas vendidas nas barraquinhas de rua, principalmente as castanhas portuguesas assadas pelas quais sou capaz de qualquer coisa. Era a semana do festival de São Narcísio, o patrono do local, homem austero e simples que não lembra em nada a figura mitológica representada pela beleza e orgulho.

Depois do almoço no El Celler de Can Roca, o motivo da minha viagem à Espanha, pensei ser um sinal do padroeiro para eu tornar-me devota. Recebi uma santa graça, eu reconhecia. Meu destino de conhecer, finalmente, o restaurante que ocupa o segundo lugar na lista dos melhores do mundo do concorrido prêmio S. Pellegrino havia se concretizado. Ainda dentro do carro, vi o centro se afastando e tomando o rumo à periferia, mais alguns minutos depois numa rua estreita o motorista anunciava a minha chegada.

Uma placa pequena indicava o lugar, mas nada ali dava pistas do que eu viveria. Desci do táxi e entrei por um corredor estreito, coberto de heras, que terminou num jardim com móveis estilosos em frente a uma casa do começo do século passado, na qual era possível ter pela grande janela uma ideia da cozinha, do lado oposto estava a sala de espera envidraçada do restaurante.

Aberta a grande e pesada porta de madeira da entrada, sou surpreendida por outro corredor mais largo e inteiro branco, como um centro cirúrgico futurista com esculturas, luminárias e atendentes cordiais. Logo encontro o pâtissier Jordi Roca, o incumbido de mostrar as instalações da bem dividida e montada cozinha, que mais parece um laboratório, o toque caseiro fica por conta da churrasqueira à brasa, usada mais para a finalização de pratos. Visitei todos os setores e vi que não era a única a bisbilhotar o local, que alívio, um casal guiado por Joan, o irmão mais velho dos três e chef de cuisine, cruzou comigo. Após a visita, recebi os votos de uma boa estada e fui conduzida, por outro corredor bem estreito, ao salão oval desenhado em torno de uma ilha – um pequeno jardim com troncos finos e folhas secas –, estamos no outono europeu. Sou instalada numa posição estratégica, da minha mesa vejo os garçons desfilarem as criações dos irmãos Roca e algumas folhas caindo às lufadas de vento sopradas de leve. O ambiente é extremamente minimalista, porém acolhedor e requintado ao mesmo tempo.

Propositalmente, o som ouvido era apenas dos talheres tocando nos pratos e vozes sussurrando pelo salão, sublime e importante silêncio, nenhuma música. Uma garoa fina completava o quadro, assim começou a sequência de pratos e desfile de sabores, texturas e formatos reveladores. Impossível não se emocionar. Fiquei pensando como seria a segunda refeição ali e o quanto da surpresa reservada aos primeiros encontros poderia repetir-se, mas, rapidamente voltei à imagem do banquete aberto com snacks, as pequenas porções, e um pouco dos sabores do mundo, lembrança das andanças dos Rocas e que me acompanharia por muito tempo na memória. Abre-se um globo de papel e lá estava o “comerse un mundo: Mexico, Perú, Líbano, Marruecos y Corea”. Depois disso, um bonsai trouxe azeitonas crocantes, um bombom veio com trufa, o brioche com marisco e outros pequenos petiscos mostravam as comidas tradicionais da região com roupagem contemporânea.

Que eles dominam as técnicas modernas já não tinha dúvidas, que reinavam em criações surpreendentes era notório, que naquela casa os olhos eram contemplados era evidente, mas quando os pratos do menu de 11 serviços mais três sobremesas começaram a ser servidos, acompanhados por uma seleção de vinhos de tirar o fôlego, era difícil não vibrar: estava diante de um banquete colossal, uma obra-prima. Eles são geniais. Conhecer a adega depois de horas de prazer e escutar as explicações do segundo irmão, o sommelier Josep, de como ela foi montada, completou a tarde passada no espaço no qual brilham os irmãos que tocam o El Celler. Tomar o caminho de volta ao hotel, visitar a cidade antiga murada, ver a magnífica catedral, mesmo que sem sair do automóvel, ainda chovia, foi realmente um bom final para a experiência vivida. Acho que fui convertida.


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