Gastronomia
03.09.2015
03.09.2015
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03.09.2015
03.09.2015
10.05.13
Na estrada
por Jussara Voss

Para onde estou indo mesmo? Assim termina a crônica de CristovãoTezza. Me pegou em cheio. Às vezes vamos fazendo coisas que nos levam para caminhos que não sabemos onde darão e, o pior, sem a certeza de que era isso mesmo o que queríamos. Eu fui parar, sozinha, em Lima e, depois, em Santiago. Paisagem rica e surpreendente é o pouco que se pode dizer desses dois países que têm a imponente Cordilheira dos Andes a vigiar-lhes.


Para onde estou indo mesmo? Assim termina a crônica de CristovãoTezza. Me pegou em cheio. Às vezes vamos fazendo coisas que nos levam para caminhos que não sabemos onde darão e, o pior, sem a certeza de que era isso mesmo o que queríamos. Eu fui parar, sozinha, em Lima e, depois, em Santiago. Paisagem rica e surpreendente é o pouco que se pode dizer desses dois países que têm a imponente Cordilheira dos Andes a vigiar-lhes.

Lima, importante colônia espanhola fundada no Dia de Reis, tem uma moeda chamada Nuevo Sol, sítios arqueológicos, peixe fresco do Pacífico, que se transforma, invariavelmente, em cebiche, ou ceviche, como conhecemos aqui, além de muitos temperos, incontáveis tipos de batatas, pimentas e frutos amazônicos. Mas tem terremotos também, ares provincianos, irritantes buzinas, os populares tuc-tucs – pequenos ônibus que parecem saídos de um filme antigo – e um cassino em cada esquina.

Instalada no distrito de Miraflores, província de Lima, centro cultural inspirador de romances para Mario Vargas Llosa, de cara para o mar, porém, muito acima – quase 100 metros –, não tirei os olhos daquele despenhadeiro sempre com uma estranha sensação rondando, como se de repente pudesse escorrer ribanceira abaixo. E eu nem cheguei a Machu Picchu, de tantos mistérios. Ficou para a próxima viagem, porque volto para conhecer o Mistura, festival que, promovido por Gastón Acurio, fez o Peru surgir no mapa gastronômico mundial há cerca de seis anos, reunindo cozinheiros, produtores, gente do povo, que é amável e hospitaleiro e trata o chef como herói. Eles sabem receber e gostam de comer bem. Bebem muito pisco sauer – o destilado preparado com suco de limão, angostura e clara de ovo – e chá de coca, que eu incorporei desde o primeiro gole, como se usasse a bebida há tempos. Um perfeito digestivo, sem efeitos alucinógenos.

Centro colonial, igrejas barrocas do século XVI, ruínas pré-colombianas, bairros modernos, gastronomia impecável, Lima está quase sempre coberta por uma névoa, não chove nunca. A altitude e a presença quase constante de nuvens oferecem um clima ameno perfeito. Na avenida La Mar ancoram-se as mais famosas cebicherias – casas especializadas em frutos do mar –, fui lá antes mesmo de deixar as malas no hotel e comecei minhas descobertas na Pecados Capitales, apontada como uma das melhores, ao lado de umas das casas de Gastón Acurio e da El Mercado.

Inspirada nos traços do Parque Güell, obra de Gaudí em Barcelona, a avenida à beira-mar abriga uma das praças, a “Del Amor”, e é palco de concursos de beijo no dia dos namorados, além de belo cenário para um fim de tarde entre bulevares floridos, tendo a brisa do Pacífico por companhia. Além de incentivar a gastronomia local, que tem uma filial limenha da famosa Le Cordon Bleu francesa, responsável pela legião de novos chefs, o governo tem um projeto de resgate de suas raízes para mostrar que a cidade está lá há mais de 4.000 anos. Outro detalhe peculiar, parece que metade da população é de motoristas de táxi. Os veículos não têm taxímetro, o preço é definido antes de o trajeto começar e depende muito do tipo de carro e de cliente. É mesmo um país de contrastes. A Plaza de Armas foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1991, e em frente à catedral dizem que a aguardente local, o pisco, jorra da fonte central em dias de festa nacional. Não consigo imaginar, por mais que tente.

Na cidade vibrante, de muitas cores, são endereços recomendados e imperdíveis: a casa principal do chef Gastón Acurio, o restaurante Astrid y Gastón, o restaurante Central do chef Virgílio Martinez, o Malabar, do chef Pedro Miguel Schiaffino. O restaurante de Javier Wong é outro local a ser visitado, na garagem da sua casa, sem cardápio ou letreiro na porta, ele prepara dois pratos, um frio, cebiche, é claro, e um quente, com peixe fresco, sempre linguado, que o icônico chef destrincha na frente dos clientes e prepara na panela wok, no fogo alto, com legumes do dia. Simplicidade e sabor refinado ao pé da letra. Já o Maido, do jovem Mitsuharu Tsumura, apresenta a impecável comida Nikkei, uma fusão da cozinha peruana e japonesa. Algas, soja, saquê ao lado de batatas, coentro e pisco, mas tem também foie gras e a saborosa carne de gado wagyu e uma infinidade de sabores. E eu precisaria de muito mais espaço para narrar essas experiências gastronômicas.

Já no Chile, cuja capital tem nome de santo e é uma metrópole, bela e moderna, onde parece que tudo tem uma ordem natural, fui descobrir o Boragó e me surpreender com o talento do chef Rodolfo Guzmán, que trabalha para valorizar ingredientes endêmicos e fazer o país despontar no hall da fama dos restaurantes estrelados. Nem falo tanto de Santiago porque já a conhecia e a passagem ali era rápida. No restaurante, o chef, que é bioquímico, procura transportar o cliente para o terroir chileno, com seus cheiros e sabores peculiares do mar e da floresta locais. Duas vezes por semana, ele sai em busca de raízes, peixes, ervas para o jantar nas montanhas ou no mar próximo à capital. É ousado, provocativo e criativo. Defende a diversidade e exalta a cozinha e os ingredientes do lugar. Sua experiência vem da cozinha criativa espanhola, principalmente do chef basco Andoni Luis Aduriz. Faz carreira de sucesso o jovem que desenvolve uma experiência para iniciados na gastronomia avant-garde que estamos vivenciando.

Esse mundo desconhecido, descrito neste breve relato, é nosso vizinho, e acho que pouco valorizado aqui. Concluo que não conheço as riquezas da grande América. Há muito para se descobrir. Essas viagens devem ter mesmo algum sentindo.


Tags: colula; jussara voss;



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