FOTOS DE: Flávio Damm

08.08.12
Flávio Damm, passageiro do preto e branco
Dico Kremer

Penso que Flávio Damm dispensa apresentação. Já apareceu na Ideias com seu brilhante trabalho fotojornalístico. Expõe na Caixa Cultural em Curitiba (Rua Conselheiro Laurindo, 280) “Flávio Damm, Passageiro do Preto e Banco”, de 21 de agosto de 2012 até o final de setembro. Depois a exposição segue para a Caixa Cultural do Rio de Janeiro onde fica até o fim do ano. Para os interessados em fotografia, o Instituto Moreira Salles, do Rio de Janeiro, apresenta até o final de outubro a exposição “Um olhar sobre O Cruzeiro – as origens do fotojornalismo no Brasil”. São 300 fotografias dos inúmeros fotojornalistas que colaboraram com a revista e que hoje só estão vivos Flávio Damm e Luiz Carlos Barreto, produtor de cinema. Esta mostra irá depois ao Instituto Moreira Salles de São Paulo onde ficará até o fim de 2012. Flávio escreveu um texto especialmente para esta revista.

Flávio Damm por Flávio Damm

Fotojornalismo, vamos falar de uma postura profissional  de  quem, como eu,  se apropria de  momentos,  documentando para fazer memória, gerando imagens que formam opinião, ilustrando fatos quando praticamos esta maravilhosa aventura, a do fotojornalismo.

Quando esse profissional diante de  um fato que se desenrola imprevisível, ao prever o que possa tirar dele “afia a navalha nos olhos”, como recomenda João Cabral de Mello Netto,  e  “retira as aparas” – como dizia o gênio Michelangelo – fotografando para chegar à foto que estava surgindo, no desenrolar do acontecimento,  preocupado em ver por quem não viu...

Recursos tecnológicos disponíveis hoje, inimagináveis há dez anos,vinte anos,  trouxeram para quem fotografa uma disponibilidade de opções que dispensam o tradicional filme fotográfico, como a película para a fotografia em preto-e-branco ou  colorida.

O ato fotográfico nasceu antes do preto-e-branco com as primeiras experiências feitas pelos descobridores, nos idos de 1839,  do efeito da sensibilização de superfícies metálicas por  sais de prata quando “ofendidas” por luz de qualquer origem. Daí as câmeras, a evolução técnica, a sensibilização de  outras  bases e bem mais tarde o nascimento do filme fotográfico.

Sua história – a  do filme - é vasta: por ele, e com ele,  foram  escritas  grandes páginas da fotografia mundial, desde o seu surgimento, no início do século vinte, graças à criatividade de um americano, George Eastman.

Conta-se que ele, ao criar o filme fotográfico de rolo, desenhou e produziu a primeira câmera “caixão”. Esta não tinha nome era apenas uma “box câmera” que não poderia continuar assim, segundo ele, deveria ter um nome comercial, uma marca que a  tornasse popular.

Ao acionar a então a prosaica alavanca que “fazia a foto”, comentou com seu sócio que o suporte sensibilizado (filme), ainda sem  nome, passaria a ter o  do som  produzido pelo ato de clicar a câmera:  apertando-o para fazer a foto, soava ko e, soltando-o, dak. Estava assim criada uma marca que popularizou, universalmente, a fotografia, a Kodak.

Uma ferramenta de grande praticidade, o filme em rolo, que veio permitir que fotógrafos ganhassem maior agilidade em seu trabalho.

O cinema ganhou espaço com o uso que já fazia da película perfurada, no formato trinta e cinco  milímetros, este logo assimilado pela fotografia quando, nos final dos anos vinte, foi criada a mais eficiente ferramenta fotográfica de sua época, a câmera Leica com os dois primeiros protótipos, em 1926, testada durante seis anos pelos criadores e comercializada em 1932.

Anteriormente ao filme/película, Horace Nichols, em 1910, retratou a “Cartomente na Rua”, Jacques Lartigue fotografou sua clássica “Avenue  du Bois de Boulogne”, em 1911,  no mesmo ano em que Alfred Steiglitz eternizou uma cena de rua coberta com neve, em Nova Iorque. Em 1920 Atget fez a fotografia da “Prostituta de Paris” e em 1925 a “Vitrine de Gobelins”.

Num memorável trabalho em preto-e-branco, Dorothea Lange dizia que “no preto-e-branco está o recurso perfeito para  mostrar a cara da  miséria americana dos anos trinta”.

Henri Cartier-Bresson, em 1938, eternizou uma reunião familiar francesa em seu antológico “Piquenique no Rio Marne”.

David Douglas Duncan obedeceu à exigência de Picasso de lhe fotografar exclusivamente em preto-e-branco.

Da Praia de Omaha, em 1944, Robert Capa deixou para a história a mais dramática página da Segunda Guerra, o desembarque na Normandia. Mestre da fotografia em preto-e-branco nunca fez uso de película colorida, assim com Cartier-Bresson, que sempre se negou a fotografar em cores, segundo me contou René Burri/Magnum Photos.

E “last but not least” lembro, com encanto especial, o meu fotógrafo preferido na arte do preto-e-branco, André Kertesz, de quem escolho a sua mais expressiva fotografia – “Chairs de Paris”.

Ou como  W. Eugene Smith que retratou Deleitosa, uma aldeia espanhola da Estremadura, num dos mais importantes ensaios de sua carreira. No prefácio de seu livro  Spanish Village está a afirmação do  fotógrafo/mestre em preto-e-branco: “Cor é excesso, a verdade da aldeia é mesmo em P&B”.     

Com o advento das novas tecnologias a fotografia foi democratizada, as câmeras digitais estão em todas as mãos, quem nunca pensou em fotografar o faz com entusiasmo, descobrindo uma nova linguagem de comunicação. Ganhou com isto, em muito, a fotografia  P&B, dela mais se fala, mais se faz, mais se mostra, mais se vê e a arte fotográfica vista, publicada, exposta e comprada em galerias por colecionadores ganhou um espaço até então desconhecido.

Fotografar em preto-e-branco, para mim,  é um juntar o prazer ao desafio: o momento decisivo na cena de composição perfeita.



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