FOTOS DE: Guido Borgomanero

05.03.13
Maratona no Saara
Administrator

Curitiba é uma cidade singular. Aqui, de tempos em tempos, abrigam-se pessoas criativas, talentosas, pessoas especiais das quais a cidade não toma o mínimo conhecimento. Pode-se dizer que o mesmo se aplica aos nativos inventivos. Ignoram, ou por não ter interesse ou, talvez, por se deparar com algo grande, diferente, variado, instigante, que pode abrir os olhos, algo que foge do pequeno mundo, da monotonia do dia a dia, do não fazer. Guido Borgomanero é dessas pessoas que engrandecem a região por onde passam. E engrandeceu Curitiba sem que a grande maioria das pessoas saiba de suas atividades. E não foi por falta de divulgação.

Nascido em Cesenatico, Itália, em 1921, de frente ao mar Adriático, correu continentes antes de chegar a esta cidade. Formado em Jurisprudência (foi o mais novo graduado da Universidade de Roma), estudou em Lyon (França), na Suíça, em Lima (Peru), no Rio de Janeiro. Depois da Segunda Guerra Mundial entra no Ministério do Exterior da Itália e teve sua carreira profissional ligada a este órgão da diplomacia italiana. De Roma vai para a Argélia como cônsul em Orã (1956-1959) durante o período da guerra de libertação contra a França. Com uma passagem por São Paulo como cônsul adjunto, é transferido para Oslo na Noruega onde conhece a Sra. Ragnhild Gabbe, sua futura mulher. Volta para Roma onde fica três anos e ali nasce seu filho único Alessandro. Nova transferência o envia para Sofia, Bulgária. Lá, trava conhecimento com o famoso violinista Evgueni Ratchev, hoje spalla e diretor artístico da Orquestra de Câmera “Solistas de Londrina”. Em 1974 chega a Curitiba como cônsul geral da Itália para o Paraná e Santa Catarina.

Além da sua profissão, o diplomata Borgomanero tinha outros interesses. Muitos outros. Poliglota a falar e escrever corretamente sete idiomas (italiano, espanhol, francês, inglês, alemão, norueguês e português) estudou música e dominou a difícil técnica do violino. Em sua casa de Curitiba gravou várias obras de Beethoven, Paulo de Sarazate, Niccolò Paganini entre outros. Deixou gravadas algumas músicas como solista ou acompanhado pelo pianista curitibano Luiz Carlos Santos. Existem quarenta Cds com suas gravações que sua viúva Sra. Ragnhild Borgomanero digitalizou a partir de fitas em rolo. Em sua casa está a maior coleção de fósseis em posse de um particular da América Latina. A paleontologia, a geologia, a gemologia eram assuntos de seu profundo interesse. Entre as maravilhas de seu museu particular estão os curiosos ovos de dinossauro. Apesar da grande divulgação, reportagens na televisão e em jornais e revistas, entrevistas, um filme do cineasta Rafael Urban, nenhum estudante dos cursos afins das universidades curitibanas pediu à Sra. Ragnhild uma visita ao museu. Escreveu para um jornal em língua italiana editado em São Paulo “Il Corriere”. Escrevia muito bem e com humor. Li dois textos publicados em 1986 e 1987: “La Legione Straniera in Algeria” e “Il maratoneta del Sahara”. Foi um excelente fotógrafo amador. De sua coleção de slides fez um filme de 50 minutos sobre a Argélia (1956-1959). Narrou-o com sua bela voz e musicou-o com trechos de música árabe e da peça “Scheherazade”, de Nikolai Rimsky-Korsakov. O documentário é sobre a chegada dele a Argélia e a viagem que fez pelo interior do país, ao coração do Saara. Fiz uma seleção das fotos de três oásis que visitou: Adrar, Tamentit e Timimoun, o oásis vermelho assim chamado pela quantidade de óxido de ferro em sua areia. Guido Borgomanero fotografava com uma câmera 35mm com lente normal e sem fotômetro. E foi nessa imensidão desoladora, inóspita, seca, com alguns oásis esparsos, onde numa das estradas que adentram no deserto se lê uma placa com o nome “Tanezrouf”, que significa “País do Medo e da Sede”, que o fotógrafo nos mostra toda a sua sensibilidade.

Guido faleceu em 2005 deixando um legado cultural inestimável. Devo a sua viúva, a gentil Sra. Ragnhild, o acesso às maravilhas de seu acervo e a paciência com que me atendeu.



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