Política
03.09.2015
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03.09.2015
24.02.14
2014
por Adalberto Vera

Um ano atípico


Ora, pois, este ano será atípico. Vai passar rápido demais. Com o Carnaval em março e a Copa do Mundo entre junho e julho.

Teremos uma campanha eleitoral curta. De apenas 60 dias. “Antes da final, ninguém vai falar de política, com exceção da imprensa”, explica o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro.

Baseado nas pesquisas de opinião, ele admite o favoritismo de Dilma Rousseff, considerando o nível de satisfação do brasileiro, que hoje é de 80%. Índice alto e explicável. Para a maioria da população o que importa não são siglas como Copom, Selic e PIB, mas, sim, a economia doméstica.

“O brasileiro quer saber é se a prestação vai caber no seu orçamento”, diz Montenegro. Precavido, ressalva que “ainda tem muita água para passar por baixo da ponte”. Com o ritmo menor de criação de vagas e renda mais pressionada pela inflação, a tendência é que o desemprego volte a crescer em 2014.

Não porque as empresas vão demitir mais, afirmam os analistas. Mas, sim, porque mais gente vai procurar emprego para completar o orçamento da família, ao mesmo tempo em que a oferta de vagas será menor.

Esses movimentos em direções opostas devem elevar em até um ponto percentual a taxa de desemprego, na previsão de consultores, economistas e representantes da indústria e do comércio. Um fator decisivo para quem pretende a reeleição. Se o índice de satisfação dos brasileiros cair, Dilma passa a correr riscos.

 

Chance perdida

Há certa frustração no ar. O ano do Brasil. Esperava-se que o Brasil pudesse ir além de suas belezas naturais e da ginga da bola. De se exibir ao mundo como gente grande. Mas a chance disso já foi perdida.

Ainda que o governo Dilma Rousseff comemore o cumprimento da meta fiscal, a prática continuada de uma política econômica débil, por vezes esquizofrênica, dificilmente será ofuscada por números de um superávit conseguido a partir de falsas exportações, privatização e refinanciamento de dívidas tributárias.

Para um mercado desconfiado, isso não acalma os “nervosinhos”, como imagina o ministro Guido Mantega. É oferecer suco de maracujá para quem precisa de tonificantes à base de ajustes e equilíbrio.

Dilma segue gastando muito e mal. E, ao contrário do que o seu ministro da Fazenda quis fazer crer, continua se valendo de malabarismos. Para fechar 2013 no azul, jogou para os últimos dias do ano pagamentos de R$ 4,1 bilhões, dinheiro que só será contabilizado em 2014. O mais incrível é que imaginam que esses truques marotos vão passar despercebidos.

 

Gastos injustificáveis

A presidente Dilma Rousseff resolveu acusar seus críticos de fazer “guerra psicológica”, mas isso não muda a realidade dos números de gastos injustificáveis. A Copa do Mundo está aí para provar. Os 12 estádios previstos para a competição vão consumir mais de R$ 8 bilhões, 285% a mais dos R$ 2,8 bilhões orçados em 2007, quando o ex Lula apostou as fichas no mundial.

Com a megalomania típica das nações subdesenvolvidas, o resultado, ao invés de promover, depõe contra o Brasil. Já é a Copa mais cara da história. As arenas tupiniquins vão custar mais do que o dobro das da África do Sul (R$ 3,2 bilhões) e da rica Alemanha (R$ 3,6 bilhões).

São números que não podem ser escamoteados. Pior: a síndrome de terceiro-mundismo levou o País a construir elefantes brancos, como os estádios de Cuiabá e Manaus, em estados que teriam de fabricar times e torcidas para ocupar parte dos assentos, e que, depois de julho, terão de ser mantidos.

As obras de infraestrutura que seriam o maior legado do evento seguem atrasadas: dos mais de 100 projetos para as 12 cidades-sede, só 21 foram entregues; 14 foram adiados para o pós-Copa.

É quase impossível saber quanto o País gastará com a Copa. Os cálculos variam de R$ 25 bilhões a R$ 35 bilhões, quase um terço dos R$ 106 bilhões previstos no Orçamento da União para a Saúde em todo o ano de 2014.

 

Resultado amargo

Os estádios vão ficar prontos, vão mostrar partidas bonitas de se ver, a seleção brasileira pode erguer a taça. Mas o sumo que se extrairá não será doce. Mesmo que não se repitam manifestações que ousam incomodar governantes, vão sobrar dívidas. E às contas a pagar se somará a fartura de gastos comuns em anos eleitorais. É melhor estocar maracujá.

Em ano de campanha acontecem coisas estranhas. No lusco-fusco das festas de fim de ano acontecem coisas ainda mais estranhas. O repórter André Borges revelou que o Ministério dos Transportes alterou o edital do leilão de 2,1 mil linhas de ônibus interestaduais.

Na sua versão inicial, cada consórcio deveria ser liderado por empresas experimentadas no setor, podendo agregar fundos de investimento ou mesmo empresas estrangeiras. A mudança, permitida pelo Planalto, mudou a canção. Nela entrou o Piston de Gafieira, canção imortalizada pelo velho Moreira da Silva: “Quem está fora não entra. Quem está dentro não sai”.

Engessaram o leilão, cristalizando o oligopólio do sistema de transportes interestaduais. Bloquearam a entrada de estrangeiros e impediram que o setor seja oxigenado por capitalizações do mercado financeiro (com suas auditorias).

Os transportes justificam a mudança dizendo que ela privilegia as empresas com experiência. Nada mais verdadeiro. Em matéria de experiência, a crônica desse setor confunde-se com as trevas das concessões de serviços públicos. Em 1994, o deputado Camilo Cola, dono da Itapemirim, tinha um patrimônio de US$ 154 milhões e declarava R$ 10 mil de renda mensal.

Desde 1993, o governo promete leiloar as concessões de linhas de transportes interestaduais. Passaram-se 21 anos e nada. As empresas, felizes, rodam com autorizações especiais do governo. Vale lembrar que os concessionários de transportes públicos lidam com grandes pacotes de dinheiro vivo.

 

Tiro no pé

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou artigo no primeiro domingo deste 2014 para examinar a situação que vivemos e os rumos que o Brasil tomou. Diz ele que o governo petista, sem o dizer, colocou suas fichas no “declínio do Ocidente”. Da crise surgiria uma nova situação de poder na qual os Brics, o mundo árabe e o que pudesse se assemelhar ao ex-terceiro mundo teriam papel de destaque. A Europa, abatida, faria contraponto aos Estados Unidos minguantes.

Não é o que está acontecendo: os americanos saíram à frente, depois de umas quantas estripulias para salvar seu sistema financeiro e afogar o mundo em dólares, e deram uma arrancada forte na produção de energia barata.

O mundo árabe, depois da Primavera, continua se estraçalhando entre xiitas, sunitas, militares, seculares, talibãs e o que mais seja; a Rússia passou a ser produtora de matérias-primas. Só a China foi capaz de dar ímpeto à sua economia.

Provavelmente as próximas décadas serão de “coexistência competitiva” entre os dois gigantes, Estados Unidos e China, com partes da Europa integradas ao sistema produtivo americano e com as potências emergentes, inclusive nós, o México, a África do Sul e tantas outras, buscando espaços de integração comercial e produtiva para não perderem relevância.

Nessa ótica, é óbvio que a política externa brasileira precisará mudar de foco, abrir-se ao Pacífico, estreitar relações com os Estados Unidos e a Europa, fazer múltiplos acordos comerciais, não temer a concorrência e ajudar o país a se preparar para ela.

 

Papel do Brasil

Diz FHC que o Brasil terá de voltar a assumir seu papel na América Latina, hoje diminuído pelo bolivarianismo prevalecente em alguns países e pelo Arco do Pacífico, com o qual devemos nos engajar, pois não deve nem pode ser visto como excludente do Mercosul.

Não devemos ficar isolados em nossa região, hesitantes quanto ao bolivarianismo, abraçados às irracionalidades da política argentina, que tomara se reduzam, e pouco preparados face à investida americana no Pacífico.

Para que exportemos mais e para dinamizar nossa produção para o mercado interno, a ênfase dada ao consumo precisará ser equilibrada por maior atenção ao aumento da produtividade, sem redução dos programas sociais e demais iniciativas de integração social. A promoção do aumento da produtividade, no caso, não se restringe ao interior das fábricas, abrange toda a economia e a sociedade.

Na fábrica, depende das inovações e do entrosamento com as cadeias produtivas globais, fonte de renovação. Na economia, depende de um ousado programa de ampliação e renovação da infraestrutura e, na sociedade, de maior atenção à qualificação das pessoas (Educação) e às suas condições de saúde, segurança e transporte. Sem dizer que já é hora de abaixar os impostos sem selecionar setores beneficiários e de abrir mais a economia, sem temer a competição.

Isso tudo em um contexto de fortalecimento das instituições e práticas democráticas e de redefinição das relações entre o governo e a sociedade, entre o Estado e o mercado. Será necessário despolitizar as agências reguladoras, robustecê-las, estabilizar os marcos regulatórios, revigorar e estimular as parcerias público-privadas para investimentos fundamentais.

Noutros termos, fazer com competência o que o governo petista paralisou nos últimos dez anos e que o atual governo, de Dilma Rousseff, vê-se obrigado a fazer, mas o faz atabalhoadamente, abusando do direito de aprender por ensaios e erros deixando no ar a impressão de amadorismo e a dúvida sobre a estabilidade das regras do jogo. Com isso, não se mobilizam, no setor privado, os investimentos na escala e na velocidade necessárias para o País dar um salto em matéria de infraestrutura e produtividade.

 

Os erros esclerosantes

Mordido ainda pelo DNA antiprivatista e estatizante, persiste o governo atual nos erros cometidos na definição do modelo de exploração do pré-sal. A imposição de que a Petrobras seja operadora única e responda por pelo menos 30% da participação acionária em cada consórcio, somada ao poder de veto dado às PPSA nas decisões dos comitês operacionais, afugenta número maior de interessados nos leilões do pré-sal, reduz o potencial de investimento em sua exploração e diminui os recursos que o Estado poderia obter com decantado regime de partilha. É ruim para a Petrobras e péssimo para o País.

Além de insistir em erros palmares, o atual governo faz contorcionismo verbal para negar que concessões sejam modalidades de privatização. É patético. Também para negar a realidade, se desdobra em explicações sobre a inflação, que só não está fora da meta porque os preços públicos estão artificialmente represados, e sobre a solidez das contas públicas, objeto de declarações e contabilidades oficiais às vezes criativas, não raro desencontradas, em geral divorciadas dos fatos.

Tão necessário quanto recuperar o tempo perdido e acertar o passo nas obras de infraestrutura, será desentranhar da máquina pública e, sobretudo, nas empresas estatais (felizmente nem todas cederam à sanha partidária), os nódulos de interesses privados e/ou partidários que dificultam a eficiência e facilitam a corrupção. Não menos necessário será restabelecer o sentido de serviço público nas áreas sociais, de Educação, Saúde e reforma agrária, resguardando-as do uso para fins eleitorais, partidários ou corporativos.

Só revalorizando a meritocracia e com obsessão pelo cumprimento de metas o Brasil dará o salto que precisa dar na qualidade dos serviços públicos. Com uma carga tributária de 36% do PIB, recursos não faltam.

Falta uma cultura de planejamento, cobrança por desempenho e avaliação de resultados, sem “marketismo”. Ou alguém acredita que mantido o sistema de cooptação, barganhas generalizadas, corrupção, despreparo administrativo e voluntarismo, enfrentaremos com sucesso o desafio?

É preciso redesenhar a rota do País, diz FHC. Dois terços dos entrevistados em recentes pesquisas eleitorais dizem desejar mudanças no governo. Há um grito parado no ar, um sentimento difuso, mas que está presente. Cabe às oposições expressá-lo e dar-lhe consequências políticas. É a esperança que tenho para 2014 e são meus votos para que o ano seja bom.


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