Política
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
03.09.2015
21.03.14
A agressão russa à Ucrânia
por Vitorio Sorotiuk

Setenta por cento do povo russo e toda a oposição russa a Vladimir Putin condenam a intervenção russa na Ucrânia


O destino é cruel com a Ucrânia. Justamente no ano em que se comemora o bicentenário de nascimento de seu poeta e herói nacional maior, Taras Chevtchenko, que passou longos anos prisioneiro nas masmorras russas durante o czarismo, volta novamente a Rússia a agredir a Ucrânia.

A Ucrânia, com 48 milhões de habitantes, do tamanho do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul juntos, maior país da Europa, deseja ser ela mesma. A Ucrânia aspira ser um país livre, soberano, com todas as suas fronteiras preservadas, próspero, com pleno desenvolvimento de sua língua e cultura nacional. Para isso o povo foi às ruas. O movimento popular teve início no final do ano passado com manifestações estudantis, ampliou-se para manifestações gigantes do povo e se instalou no coração do país na Praça da Independência (Maidan Nezalezhnosti), em Kyiv. O próprio presidente Victor Yanukovych elegeu-se com uma plataforma pró-integração europeia e mudou o rumo. O descontentamento com o centralismo do governo e com a corrupção era grande.

Quando o movimento já se arrefecia em 16 de janeiro, o Parlamento baixou um pacote de oito leis draconianas que impediam na prática o exercício do direito de manifestação. Novamente o movimento toma corpo e depois do Leste e do Centro, cresce no Oeste e no Sul do país. A resistência aumenta e agora se torna política. Em função da repressão e das leis draconianas caem ministros e entre eles o primeiro-ministro, Azarov. O poder vê-se obrigado a revogar as leis e assinar um pacto com a oposição. Entretanto, o presidente Victor Yanukovych resiste a assinar a diminuição de seus poderes em favor do Parlamento – o retorno às regras da Constituição de 2004, previstas no pacto. Nova e assassina repressão aos manifestantes. Mais de 80 pessoas assassinadas com tiros na testa e no coração por atiradores de elite e mais de 600 feridos. Agora não há mais primeiro-ministro ou subalternos a serem demitidos, só existe pela frente a responsabilização do presidente Victor Yanukovych. Setenta e sete deputados do Partido das Regiões que o sustentavam deixam a legenda e passam à oposição. A maioria torna-se minoria no Parlamento. O presidente é responsabilizado e demitido por decisão soberana de dois terços do Parlamento. O presidente Victor Yanukovych queima pela metade os arquivos e deixa para trás o governo e uma mansão cafona e ricamente decorada, a fazer inveja aos faraós – agora transformada no primeiro museu da corrupção do mundo – e refugia-se na Rússia. Revela-se plenamente o saqueio dos cofres públicos pela equipe dirigente do governo. O presidente do Parlamento toma o comando do país como determina a Constituição e são nomeados o primeiro e demais ministros. E tem início uma nova frente de batalha.

A geografia também é cruel com a Ucrânia. A localização da nação no mapa da Europa a fez lutar para a sua existência milenarmente. No século XX, a Ucrânia se encontrou no olho do furacão da história da humanidade: primeira e segunda grandes guerras, a guerra civil e o holodomor (fome artificial criada por Stálin que em 1932-33 vitimou milhões de ucranianos). Tragédia maior não houve. Mas ainda viria a maior tragédia ambiental planetária que ocorreu em seu território em Chernobyl, no ano de 1986. Com o fim da União Soviética em 1991, emerge a Ucrânia como país independente no cenário internacional e como a terceira potência nuclear do planeta.  Em 1994 a Ucrânia torna-se o primeiro e, atualmente, o único país no mundo que, voluntariamente, livrou-se de armas nucleares e eliminou todas as suas ações sob controle internacional, num total de mais de 300 ogivas nucleares. A condição para este passo sem precedentes em 1994 foi que a Rússia, o Reino Unido e os Estados Unidos, posteriormente juntaram-se a França e a China, como superpotências, fornecessem as garantias de segurança à Ucrânia, fixadas no Memorando de Budapeste. A Rússia é um dos fiadores, se comprometeu a abster-se de recorrer à ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a independência política da Ucrânia, bem como a respeitar a independência, a soberania e as fronteiras existentes do país. Por esta razão a legitimidade da Ucrânia a fazer apelo aos demais fiadores e a legitimidade dos fiadores a participarem do processo, pois são garantidores da soberania e da integralidade territorial ucraniana. A Rússia fez exercícios militares ao longo das fronteiras da Ucrânia, introduziu elementos armados camuflados na Crimeia, pôs milhares de homens armados na península e fomenta o separatismo e anexação ao país russo. A Ucrânia é um Estado soberano e independente, com território contínuo, e qualquer intervenção militar nos assuntos internos dos estados é inaceitável. A Crimeia é uma parte integrante da Ucrânia, cujo território é coberto pela Constituição e pelas leis ucranianas. Constitucionalmente, só o referendum de todo o povo da Ucrânia pode decidir sobre os destinos da Crimeia.

Os argumentos de Vladimir Putin, em proteger a população de língua russa, só têm precedentes na história europeia nos mesmos argumentos de Adolf Hitler no passado. Produtores culturais russos declararam à BBC que não existe perseguição aos russos na Ucrânia. Levanta Vladimir Putin que o governo é de nazifascistas, quando na verdade caricatos grupos de jovens participaram da resistência na Maidan com vestimentas desse estilo. Seria como caracterizar os movimentos de protesto do Brasil de junho de 2013, que foram obra só dos Black Blocks e dos arruaceiros, quando qualquer analista sério sabe que foi um movimento do passe livre, ampliado por gigantescas manifestações populares demonstrando insatisfações legítimas. As associações e personalidades da comunidade judaica da Ucrânia escreveram carta a Vladimir Putin negando a existência de perseguições à etnia. Setenta por cento do povo russo e toda a oposição russa a Vladimir Putin condenam a intervenção russa na Ucrânia. A política de Vladimir Putin é uma ameaça à estabilidade europeia. A Polônia declarou que a intervenção russa ainda não é direta ao seu país, mas que ela já se sente a ameaçada. As Olímpiadas de Sochi são só a máscara onde se esconde a velha política imperialista do novo czar. 

O Brasil nos conhece. A Ucrânia deu e dá grande contribuição à nação. De Clarice Lispector ao mais simples agricultor. O Paraná nos conhece melhor, pois no meio milhão de descendentes, oitenta por cento aí reside. A Ucrânia deseja ser ela mesma: suave como a poesia de Helena Kolody e colorida como as pinturas de Miguel Bakun.  A Ucrânia não pode ser aquilo que o vizinho do Norte quer. Repito que a Ucrânia aspira ser um país livre, soberano, com todas as suas fronteiras preservadas, democrática e vivendo com a liberdade europeia que sempre foi o seu berço natural. Como filhos do Brasil, há mais de um século, pedimos ao país que no espírito da sua Constituição Federal se manifeste claramente contra a intervenção russa, realize todos os esforços diplomáticos para evitá-la e que reconheça a soberania e a integridade do território da Ucrânia.

____________________________________________________

Vitorio Sorotiuk é advogado e professor universitário. Foi presidente do Centro Acadêmico Hugo Simas gestão 67/68 e presidente do Diretório Central dos Estudantes – DCE da UFPR – 68. Ex-secretário de Estado do Meio Ambiente do Paraná e ex-presidente do Instituto de Terras Cartografia e Florestas e do Instituto Ambiental do Paraná. Preside a Representação Central Ucraniano Brasileira – RCUB desde 2001.


Tags:



TAMBÉM NOS ENCONTRAMOS AQUI: