Política
03.09.2015
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03.09.2015
03.09.2015
08.07.12
Proposta indecente
por Talita Boros

Sem nenhum bom senso, vereadores colecionam projetos de lei absurdos e carimbam seus atestados de baixa eficiência


Vereadores exercem a função do Poder Legislativo na esfera municipal. São eles, os eleitos através do voto direto, responsáveis por trabalhar em função da melhoria da qualidade de vida da população – elaborando leis, recebendo o povo, atendendo às reivindicações e desempenhando a função de mediador entre os habitantes e o prefeito. É isso. Ou não. Em Curitiba, para não dizer na maioria dos municípios brasileiros, os representantes da Câmara Legislativa gastam seus melhores neurônios para propor projetos de leis tão importantes quanto as verdades dos contos da carochinha.

Como não se preocupar em instituir o Dia do Torcedor Flamenguista em Curitiba? A proposta, sugerida pelo ex-vereador Valdenir Dias em meados de 2007, aconselhava que a capital paranaense deveria comemorar o rubro-negro carioca em 28 de outubro, quando é celebrado São Judas Tadeu, o santo padroeiro do time da Gávea. O texto afirmava que “é sabido por meio de pesquisa realizada recentemente por instituto credenciado que o Clube de Regatas Flamengo ocupa um lugar de destaque na preferência de cerca de 3% dos paranaenses, o que reflete também de forma semelhante na preferência dos torcedores em nosso município”. Pasmem. Outra proposta do mesmo autor foi a da criação do Dia do Vereador. Por sorte nossa, os dois projetos foram arquivados.

Um dos recordistas em boas ideias até aqui foi o vereador Roberto Hinça, do PSD, ainda titular de uma cadeira na Câmara. Pelo que parece, o vereador preocupava-se muito com datas comemorativas, digamos, essenciais para os curitibanos. Entre os projetos pérolas sugeridos por Hinça estão: o Dia do Forró; o Dia do Sapateado; o Dia da Lambaeróbica e o Dia do Presbítero e do Padre. Isso apenas para citar alguns. Em abril de 2009, num único dia, Hinça sugeriu nada menos que oito propostas do gênero. Criativo, precisamos admitir.

Alguns parlamentares reclamam que o excesso de ousadia dos colegas promove a desmoralização do trabalho sério de quem realmente compreende as funções do cargo. Uma das mais críticas é a vereadora Renata Bueno, do PPS, que decidiu catalogar todas as leis já aprovadas no Estado para tentar evitar que novos absurdos passem pelo plenário. Além das comemorações, existem outros projetos de lei ainda mais absurdos, como o que proíbe o aquecimento global em Curitiba ou a amarrar cachorros a hidrantes e postes de luz.

Em 2010, em Foz do Iguaçu, o vereador Rodrigo Cabral, do PSB, propôs que pessoas que haviam realizado cirurgia bariátrica, a popular redução de estômago, ganhassem 50% de desconto em rodízios ou pratos “à la carte” nos restaurantes do município. A justificativa foi simples: garantir que os ex-gordinhos pagassem um preço justo na refeição, de acordo com o que iriam efetivamente consumir. Os que comem pouco, mesmo sem cirurgia, não tiveram vez com o vereador. O mais interessante de se imaginar seria a fila de ex-gordinhos na porta dos restaurantes, com laudos médicos em mãos, para ganhar a pechincha. O prefeito não deixou essa passar. Claro.

Quem pensa que apenas os representantes do Legislativo são capazes de idealizar projetos com tamanho engenho, engana-se. Um dos casos mais conhecidos do Paraná vem justamente do Poder Executivo. Em 1997, Élcio Berti, então prefeito de Bocaiúva do Sul, proibiu a venda de camisinhas e anticoncepcionais no município. Dizem que ele estava preocupado com a baixa natalidade na cidade, que trazia como consequência a diminuição do repasse de verbas do governo federal. A lei foi sancionada pelo prefeito e, após muito bafafá, revogada 24 horas depois.

Neste ano, os descalabros na Câmara de Curitiba chegaram ao seu ápice com as denúncias de que a Casa teria gasto R$ 35 milhões em publicidade entre 2006 e 2011, pagos a empresas subcontratadas via notas fiscais emprestadas. O peso do escândalo caiu contra o então presidente da casa João Claudio Derosso, acusado de improbidade administrativa pelo MP já que sua ex-mulher, Claudia Queiroz Guedes, é proprietária da Oficina da Notícia, empresa que venceu a licitação para as verbas de publicidade da Casa. Outros quatro funcionários da Câmara também foram afastados pelo envolvimento com o esquema.

O historiador Marco Antonio Villa, que lançou no ano passado o livro “A história das constituições brasileiras: 200 anos de luta contra o arbítrio”, afirma que até na Constituição Federal do Brasil já configuraram leis absurdas. Na primeira Constituição republicana, de 1891, Benjamin Constant aparece em um artigo que determina que a casa dele (Constant já tinha morrido) iria virar museu, mas que, enquanto a viúva estivesse viva, ela poderia morar lá. Itens assim, colocados na Constituição, lei máxima de um país, são absolutamente brasileiros – e bizarros.

Villa esmiúça cada uma das cartas apontando bizarrices jurídicas, pegadinhas e leis que ironicamente eram inconstitucionais. O autor destaca, por exemplo, que na Constituição de 1891 foi instituído um feriado em homenagem a “hermana” Argentina. Isso mesmo. No dia 8 de dezembro, o Brasil tinha um feriado nacional em homenagem a nossa vizinha latino-americana. Além deste feriado, o novo governo republicano instaurou tantos outros que foi necessário criar uma cartilha para explicar o significado de cada um deles. “Não é exagero afirmar que os últimos 200 anos da nossa história têm como ponto central a luta do cidadão contra o Estado arbitrário. E, na maioria das vezes, o Estado ganhou de goleada”, afirma o autor.

Desde o início deste ano, parlamentares curitibanos sugeriram mais denominações de novos logradouros públicos do que qualquer outra coisa. Pelo jeito, lhes interessa mais como será chamada a rua tal, com o nome de tal, que é amigo de tal, primo de tal. Isso sem considerar as diversas concessões de títulos de cidadão honorário ou benemérito. A população deveria sugerir a criação do Dia da Vassalagem. 


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