Apresentando André Viana
De André Viana

Cosac Naify publicou em abril o romance de estreia de André Viana, O doente, que narra, no formato de uma série de entrevistas gravadas, os principais momentos da vida de um homem sem nome a partir da morte do seu pai, de câncer, no dia do seu aniversário de onze anos.

Para apresentar André Viana ao público leitor, uma breve entrevista com o escritor:

 

Você trabalha há muitos anos com jornalismo. Como foi migrar para a ficção? Já tinha escrito outros textos ficcionais antes deste romance?

Na verdade, minha migração é quase o inverso. Meu pai, Antonio Carlos Viana, é escritor (quem não conhece, corra já até a livraria mais próxima). O tema da ficção, portanto, é algo que me acompanha desde criança: as conversas entre meus pais, os livros sempre presentes na decoração de casa (eu não lia tudo, obviamente, mas sabia de cor a posição de cada livro na estante). A Faculdade de Letras, no fim, era o destino que me parecia mais natural. Mas aconteceu que no ano em que prestei vestibular, 1994, a Universidade Federal de Sergipe inaugurou o curso de Jornalismo. E eu sucumbi à tentação. Assim que me formei, em 1997, fui chamado para fazer o Curso Abril de Jornalismo, na editora Abril, em São Paulo, e logo emendei com meu primeiro emprego, e a vida seguiu. Claro, desde a faculdade tinha minhas tentativas secretas de escrever textos que pareciam contos, embora no fundo eu soubesse que não eram nada. Felizmente sempre tive bom senso e gavetas dentro de casa.

 

O personagem central, que narra sua história a um interlocutor “mudo”, é uma figura de opiniões fortes e histórias pesadas. Qual foi sua inspiração para criar tal personagem?

A resposta a essa pergunta é quase uma continuidade da anterior. Em 15 anos de jornalismo, por supuesto, fiz muitas entrevistas, encontrei pelo caminho o mais variado tipo de gente. O personagem de O doente, como muitos personagens, é o resultado de muitas “opiniões fortes e histórias pesadas”. Toda vez que eu ouvia algo interessante, armazenava em algum escaninho cerebral, talvez um, pensando agora, no qual estivesse escrito “para futura ficção”. Comecei a escrever O doente em 2002, o que marca precisamente 12 anos entre a primeira frase escrita e a publicação (curiosidade: a primeiríssima frase que escrevi para o que viria a ser O doente é a que inicia a segunda carta, página 113). Eu estava, portanto, com 27 para 28 anos. Ainda tinha uma carreira jornalística a consolidar e nenhuma pressa ou desejo de me tornar ficcionista. Escrever O doente durante todos esses anos foi um modo de não deixar meu pensamento enferrujar. Minha amizade com o personagem foi se consolidando com o tempo. A tal ponto que uma hora achei que seria maldade minha mantê-lo encarcerado no meu computador, e achei por bem libertá-lo. Ele estava precisando, coitado, vida sofrida danada, merecia ter a chance de uma vida nova.

 

Livros que giram em torno de uma figura presa em sua própria diatribe é a marca registrada do austríaco Thomas Bernhard — citado nominalmente em O doente. Qual a influência de Bernhard em sua escrita?

O que pode haver de Thomas Bernhard na minha escrita, e não só na minha escrita, mas no jeito como enxergo a arte, é o modo como ele usa a raiva como motor para sua literatura. Mas, nesse ponto, talvez meu maior exemplo literário esteja mesmo dentro de casa, com meu pai. De todo modo, a raiva de Thomas Bernhard ou de Antonio Carlos Viana não é mais influente na minha escrita do que a poesia de Carlos Drummond de Andrade, outro citado nominalmente. Ou as músicas do Radiohead, que ouvi muito enquanto escrevi o livro. Ou todos os filmes citados no livro. Agora, se há um Thomas importante em O doente, esse Thomas é o Mann, autor da epígrafe e do epitáfio do livro — e esse ponto de chegada e partida em O doente não é mera coincidência, claro. É bom lembrar que era para Hans Castorp, personagem principal de A montanha mágica, passar apenas três semanas no Sanatório Berghof, visitando o primo Joachim. Terminou vivendo sete anos lá em cima. Esse longo “estado de suspensão”, essa “figura presa”, é uma — senão a — grande influência para o personagem de O doente.


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