O crime de beijar
De José Ingenieros

O ítalo-argentino José Ingenieros era médico neurologista e também filósofo, sociólogo e escritor. Seus ensaios causaram impacto na juventude latino-americana, principalmente com o conhecidíssimo livro “O Homem Medíocre”, editado pela primeira vez em 1911.

Todos seus textos valem a pena serem lidos, relidos e rabiscados para futuras citações. Entre eles, numa coleção intitulada “Literatura olvidada”, encontrei em espanhol um tratado curtinho e gracioso: “El delito de besar” (O crime de beijar).

Usando linguagem jurídica, porém sem rebusques e com muita elegância, Ingenieros fala a respeito das diferentes formas de beijar e quais podem ser consideradas abusivas ou até criminosas.

A divisão inicial é feita entre o beijo casto e o beijo de amor. O primeiro é aquele que acontece entre amigos, pais e filhos, irmãos, nas despedidas e nos encontros. Já o segundo, consentido e recíproco, “brota com espontaneidade, como chispa que salta ao chocar-se com o desejo”. Segundo o autor, há cem diferentes tipos de beijos de amor e existem “infinitos matizes, que oscilam desde a tímida ternura até a desesperada sensualidade”.

Ingenieros, então, passa a definir quando o beijo é considerado criminoso: quando falta consentimento (considerada injúria séria);  quando há intenção erótica (essencial para o atentado ao pudor, outro delito grave); quando existe premeditação de beijar; o beijo que se faz publicidade (não é considerado crime, apenas uma contravenção dos bons costumes); e, finalmente, quando o beijo tem efeitos colaterais e causa possíveis lesões.

Mas há atenuantes para o réu. Quando não há premeditação, pode-se lançar mão de argumentos como a beleza ou outros atrativos físicos da vítima. O beijador pode alegar que foi provocado, agiu por impulso, coisas assim. A melhor defesa, neste caso, é que “há bocas tão fortes de tentação que se é obrigado esquecer as consequências e beijá-las”. Ou seja, dane-se o mundo!

E, finalmente, o autor fala da reparação civil pelos danos causados. A conclusão é de que, “para ser justo, pode-se autorizar a ofendida a devolver o beijo que não desejou receber, impondo ao beijoqueiro a obrigação de suportá-lo”.

Em “El delito de besar”, José Ingenieros afirma uma verdade irrefutável: que um beijo põe asas à esperança e que a gratidão da pessoa que recebe é eterna. E como!

Marisa Villela

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